"O século XX foi o século do petróleo, suporte da
transformação da humanidade no fim do milénio. Mas o petróleo tem o fim
anunciado. Abundante em Portugal, será o lítio o “petróleo” do futuro no nosso
país?
Nos quase cem quilómetros quadrados do jazigo de
Gonçalo-Seixo Amarelo, os filões de mica litinífera destacam-se como riscos
brancos na rocha.
A aparência faz lembrar o chumbo e a consistência macia,
que permite cortá-lo com uma faca, intriga ainda mais. O lítio é um metal que…
flutua. Tem cerca de metade da densidade da água e foi gerado no Big Bang,
juntamente com o hidrogénio e o hélio.
Há muito que entrou na nossa vida. Demos por ele nos
equipamentos electrónicos portáteis, mas foi a revolução energética dos
automóveis que o trouxe para a ribalta. Portugal é o quinto maior produtor
mundial deste metal. A instalação em Aveiro de uma fábrica de baterias de lítio
da Renault-Nissan alimentou o debate sobre um modelo de desenvolvimento
associado à exploração de lítio. A relação parece óbvia (e sedutora), entre a
localização da fábrica e a riqueza do subsolo nacional, mas as aparências
iludem. O lítio existente em Portugal é usado sobretudo na indústria da
cerâmica e não tem aplicação directa no fabrico de baterias. “O país tem recursos
minerais de lítio, que são compostos naturais, mas não são carbonatos de
lítio”, explica Machado Leite, do Laboratório Nacional de Energia e Geologia
(LNEG). Ora, é precisamente em forma de carbonato que o lítio serve para as
baterias.
Além dos jazigos minerais de espodumena, petalite,
ambligonite e lepidolite, como no caso português, o lítio também pode ser
extraído de lagos salgados, nomeadamente dos Himalaia e dos Andes (Chile,
Argentina e Bolívia). É aliás neste triângulo andino que se concentram 75% das
reservas conhecidas. O salar de Atacama faz do Chile o maior produtor, e o
salar de Uyuni, na Bolívia, ainda por explorar, é o maior depósito do mundo. Na
imprensa da especialidade, o lago Uyuni tem sido comparado a Ghawar, o
megacampo petrolífero da Arábia Saudita.
Porém, é mais fácil obter carbonato de lítio (Li2CO3) a
partir dos lagos salgados do que do minério arrancado às minas. O processo é
semelhante ao da extracção do sal marinho. A água destes lagos, que contém
entre 200 e 400 ppm (partes por milhão) de lítio, é bombeada para tanques de
evaporação, onde o lítio se concentra, normalmente em forma de cloreto (LiCl).
Depois é transformado em carbonato por electrólise, purificado e
comercializado.
Descoberto em 1817, o lítio foi isolado pelo inglês
Humphry Davy através da electrólise, um método ainda usado para obter lítio
puro. Começou a ser utilizado comercialmente em 1923 na cerâmica e na medicina,
tornando-se depois essencial na aeronáutica e na electrónica.
A trituração e dissolução do minério dos nossos jazigos
para produzir Li2CO3 para as baterias é, portanto, mais difícil e mais cara. A
Direcção-Geral de Geologia e Energia (DGGE) já manifestou até o seu cepticismo
quanto à futura utilização nas baterias de automóveis, embora esta matéria não
seja consensual.
Numa coisa, porém, há acordo: o lítio tem importância
estratégica e as implicações geopolíticas são fulcrais. Imagine um mundo
dependente de lítio e não de petróleo e portanto concentrado na América do Sul,
onde a Bolívia faria o papel da Arábia Saudita…
O imaginário romântico do trabalho mineiro com uma
multidão de operários a arrancar o minério às entranhas da terra desvanece-se
ao chegar à maior mina portuguesa de lítio, na zona de Gonçalo (Guarda). Três
homens (uma escavadora e dois camiões) são suficientes, pelo menos nesta fase
do trabalho, para roer a encosta, onde se destacam nitidamente as faixas
claras, mescladas de lilás, dos filões de pegmatite.
Queimado, o nitrato de lítio produz uma característica
chama vermelha.
O minério segue para a fábrica, quase toda automatizada,
de onde saem 27 produtos distintos. Cada um obedece a critérios de normalização
de teor de lítio e possui uma ficha técnica e um certificado. “A nossa
actividade é a produção de matérias-primas para a cerâmica, particularmente
feldspatos”, diz Rui Vide, geólogo e administrador da Felmica. “O lítio tem a
particularidade de ser um bom fundente.” Ao baixar o ponto de fusão das pastas,
reduz o consumo de energia nas fábricas de cerâmica. Neste contexto, não é
visto como um produto em separado.
Com uma produção de 30 mil toneladas anuais, a Felmica
movimenta 85% do minério de lítio em Portugal. Vocacionada para a indústria da
cerâmica, a empresa encara com prudência a agitação em torno das baterias. Falta
apurar a viabilidade económica. Ainda assim, desde 2008 que são feitas reservas
de concentrados de lítio a pensar neste tipo de negócio.
Os jazigos portugueses são conhecidos há quase um século.
Com uma produção de 30 mil toneladas anuais, a Felmica
movimenta 85% do minério de lítio em Portugal.
A Felmica tem avaliadas reservas de dois milhões de
toneladas de minérios de lítio e o potencial pode chegar a dez milhões,
considerando a espodumena, a petalite e a lepidolite. Há estudos do LNEG para a
produção de Li2CO3 a partir de lepidolite e outros minerais. Mas haverá
condições para uma indústria de compostos de lítio? “Está nos nossos
horizontes. Com um parceiro ou sozinhos, vendendo o minério isoladamente ou
tratando-o, todas as alternativas estão em aberto”, diz Rui Vide.
O mapa assinala as seis principais ocorrências de lítio
em Portugal: 1. Serra de Arga; 2. Covas do Barroso; 3. Barca d’Alva; 4. Guarda;
5. Mangualde; 6. Segura. NGM-P. Fonte:Laboratório Nacional de Energia e
Geologia.
A energia que alimenta o universo é produzida por fusão
nuclear, fonte da vida na Terra e das energias que usamos, sejam as fósseis,
armazenadas ao longo de milhões de anos, sejam as renováveis. E se
conseguíssemos uma máquina que reproduzisse uma fracção do Sol para utilizar
aquela energia? Teríamos uma fonte de energia limpa (sem emissão de gases com
efeito de estufa), praticamente inesgotável (os “combustíveis” são a água e o
lítio) e segura (a palavra mágica). Mas a recriação na Terra das condições das
estrelas não é fácil, sobretudo devido às temperaturas de 100 milhões de graus
Celsius que é preciso atingir.
A Europa lidera a investigação sobre a fusão nuclear e
Portugal tem um papel de relevo. Carlos Varandas, do Instituto de Plasmas e
Fusão Nuclear, é o actual presidente do conselho de administração da Agência
Europeia para o Reactor Internacional Experimental Termonuclear (ITER, na sigla
anglófona). Os cientistas portugueses lideram a investigação em duas áreas: a
reflectometria de microondas, cuja responsável europeia é Maria Emília Manso, e
a instrumentação digital para controlo e aquisição de dados.
O tokamak JET (Joint
European Torus), no Reino Unido, já obteve reacções de fusão nuclear, embora
sem ganho de energia.
No Instituto Superior Técnico, o tokamak ISTTOK é usado
para desenvolver técnicas de diagnóstico e de controlo e operação de máquinas
de fusão nuclear, depois ensaiadas em máquinas europeias de maior dimensão. Os
cientistas portugueses lideram a investigação em duas áreas deste domínio
científico e tecnológico, que poderá transformar o lítio na principal fonte
energética do mundo.
O próximo passo é a construção no Sul de França do ITER,
o primeiro reactor experimental de fusão nuclear. O tokamak deverá demonstrar a
viabilidade científica e técnica da fusão nuclear enquanto tecnologia
energética e utilizará todas as tecnologias necessárias para o funcionamento de
um reactor de fusão. A fusão nuclear é feita entre dois isótopos do hidrogénio,
o deutério e o trítio. O deutério obtém-se da água e o trítio, um material
radioactivo de vida curta (12 anos), produz-se a partir do lítio, dentro do
próprio reactor de fusão. “Numa reacção de fusão deutério-trítio, gera-se um
neutrão que, ao reagir com o lítio, produz trítio”, explica Carlos Varandas.
“Portanto, se no interior da câmara de um reactor de fusão houver uma camada de
lítio, chamada blanket (camada fértil), esse lítio vai produzir, através das
reacções com os neutrões, o trítio necessário para alimentar o reactor.”
Carlos Varandas acredita que na segunda metade deste
século os reactores de fusão nuclear estarão disponíveis, podendo solucionar o
problema energético global. Estudos sugerem que o preço do KW/h produzido numa
central de fusão será idêntico ao de uma central hidroeléctrica, o que o
tornaria competitivo. Além disso, as reservas de lítio para uso na fusão
nuclear dariam para 30 mil anos, um período suficiente para encontrar outras
soluções energéticas e reorganizar o nosso modo de vida." (in National Geographic Portugal - Texto
e Fotografia: Carlos Franco)