quarta-feira, 22 de agosto de 2007

A Libia e as suas gentes – opinião mal informada?

Libia, Marrocos, Mauritânia, Tunisia e Argelia partilham o sahara e estão unidos no que se designa o magreb, que se refere a região ocupada por estes paises do norte de africa. Porem, este contexto geografico mediterrâneo por vezes aproxima-os mais da europa que do resto do continente africano, apesar de, na verdade, eles apenas se encontarem unidos uns com os outros. Sabe-se que a Libia tem relacões comerciais com o velho continente desde tempos anteriores aos romanos que, aliás, chegaram a fundar por aqui cidades cujas ruinas se encontram ainda bem conservadas, como e o caso de Leptis Magna, situada junto ao mar apenas a umas dezenas de quilometros de Tripoli. Ja nesse tempo remoto se conhecia a existência do petra oleum, o oleo que jorra da rocha, então substituido em importância pelos escravos e o marfim. Esta ligação a Roma foi restabelecida séculos mais tarde, nos tempos do colonialismo italiano, a semelhanca dos outros vizinhos magreb com o extinto império francês.

No entanto, existem diferenças marcantes entre estes paises, que extrapolam a origem do antigo invasor europeu. Enquanto que a Libia possui um sub-solo rico em petróleo, Tunisia e Argelia extraem menores dividendos desde precioso liquido, assumindo no entanto um importante papel na extracção e canalização do gas natural que e comodamente queimado pelos fogoes de uma boa parte da europa. As grandes canalizaçoes passam por baixo do mediterrâneo em direcção a Espanha e a Itália, seguindo depois via terrestre para outros paises. A Mauritânia tem uma importante produção de minerio de ferro mas, tal como Marrocos, aparentemente não foi abençoada com as mais valias do combustivel fóssil. Dai este ultimo talvez ter apostado mais recentemente no turismo, uma outra fonte de rendimentos, que tambem ja despertou interesse na Tunisia e Argelia, onde o turista tem a possibilidade de viver a aventura do sahara em hoteis e excursões. A Libia encontra-se mais fechada ao ocidente. Os estrangeiros que por aqui se encontram são na sua esmagadora maioria pessoal técnico ou administrativo que representa empresas ou interesses forasteiros. São portanto o mal necessario à exportacão da riqueza nacional. Sem ilusões, aqui vive-se do petróleo. Dizem-me que nos ultimos anos se acentua uma tendência para a abertura ao ocidente...

Como
não sou um conhecedor profundo do magreb realmente não tenho grande margem para comentários mas, ainda assim, o tempo que ja passei na Libia da-me um certo crédito. Aparentemente, e ao contrário do que se passa nestes paises vizinhos, na Libia parece viver-se sem grandes preocupações. Não posso dizer que tenha visto gente realmente pobre e que as infra-estruturas não estejam a ser melhoradas. O clima geral é aliás de contentamento. No entanto, há algo que parece... errado. Consta que o actual governo quase que assume a satisfação das principais necessidades dos seus habitantes e, por isso, é-me dito que estes não precisam de trabalhar muito para ter uma vida razoável. Se calhar a atitude desplicente e diletante que vejo nas pessoas também vem daqui. A vida de muitos parece ser feita nos cafés à conversa. Todos tem televisão por satélite e bebem coca-cola mas parece tudo um pouco ilusório. Ė como se tentassem copiar alguns hábitos mas sem saberem exactamente o porque deles existirem e simplesmente tomam por certo o que já viram alguém fazer. Sem ser crítico quanto a sua fé, parece-me que também aqui há algo mal interpretado. Em Tripoli é possível acordar às quatro da manhã e pensar que raio se passa com esta gente que é convocada para rezar a estas horas por sacerdotes de megafone em riste no topo das mesquitas. Como este chamamento há outros quatro durante o dia. À partida isto até revela carácter e dedicação, que só pode merecer o meu imenso respeito. Ou pelo menos foi esse o meu primeiro pensamento. Depois comecei a associar isso ao facto de encontrar as pessoas meio ensonadas durante o dia e a dormitar depois de almoço. Outro facto interessante: durante o ramadão e proibido comer enquanto há luz do sol, o que acaba por se traduzir em completos excessos de sobrealimentação nocturna ou, indo mais longe, em periodos de engorda quando a ideia original me parece que fosse um pouco diferente. Há assim uma série de contradições e equivocos bem marcados nesta terra de abundãncia. Se calhar há a mais.

Muitas casas, antigas ou recentes, são envolvidas em altos muros que muitas vezes ficam em tijolo nu, dando-lhe um aspecto de bunker. A gasolina é queimada a cerca de 0.15 euro/L por isso o carro e usado para qualquer deslocacão e acima dos limites de velocidade. Não os legais mas os de segurança do veiculo. Isto deixa antever que a preocupação acerca da integridade do veiculo não representa um problema e explica o porquê de ser dificil encontrar um que não esteja todo amassado. A recolha de lixo não é regular. Há sacos de plástico a voar na cidade e no deserto onde, por vezes, representam o único movimento até onde o nosso olhar alcança. Na retina de um ocidental ficam retidos estes e outros detalhes que reflectem uma grande falta do nosso civismo e da nossa pro-actividade.

Claro que não me cabe a mim julgar esta passividade em relação ao presente e ao futuro e há que saber ver de onde foi tudo isto herdado. São séculos de história e tradições. Mas será que é mesmo assim? No passado o petróleo não tinha o valor que tem hoje e a vida de certeza que era bem mais dura. E quando o dito acabar...?



Vistas do terraço e do meu quarto em Tripoli.

Bem no centro de Tripoli.

Ate as mesquitas são bem guardadas.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Guarda-Rios

Depois de um acordar violento em que faltou tempo para um pequeno-almoço, lá me dirigi para a unidade de trabalho, que por hora se encontra um pouco parada, assim como tudo o resto. O bit encontra-se encravado a quase 2400 metros de profundidade desde ontem e talvez tenham que o abandonar por lá, o que tem maior importância quando se sabe que este é forrado a diamantes e que custa algum dinheiro.

Assim o dia até promete não ser muito trabalhoso mas quando saio da unidade por volta das 7h00 (depois de tratar do relatórios matinais e de me pôr ao corrente das operações nocturnas) deparo com um passarito a tentar lutar pela vida no tanque cheio dos despojos da lama oleosa. Imediatamente atiro-me lá para dentro para o salvar, com roupa e tudo (por acaso fui até à unidade buscar uma vassoura e um balde para o puxar para fora do tanque...). à semelhança dos salvamentos de aves afectadas pelos derrames de crude no mar, tentei lavá-lo um pouco e de seguida secá-lo. Aparentemente as penas das aves ficam afectadas pelo óleo e perdem as suas propriedades impermeabilizadoras, o que lhes confere a capacidade para voar e para manter a temperatura corporal, nomeadamente. Isto explica o facto de ele a) não voar e b) tremer por todo o lado. Com um conta gotas tentei dar-lhe água pelo bico mas quanto à comida vai ser mais dificil. Pensarei numa solução.

O mais interessante acaba por ser o facto de ter descoberto na internet que tenho um guarda-rios numa caixa de cartão, espécie que se alimenta de pequenos peixes e insectos, vivendo onde existem charcos ou pequenos ribeiros. Talvez tenha sido atraido pelo espelho de água do tanque de lama reflectido pela luz da madrugada e que se tenha perdido um pouco na sua migração. Embora eu saiba que tem poucas hipóteses de sobreviver vou mantê-lo comigo até que chegue a hora dele, para melhor ou para pior...

Classificação
Reino: Animalia
Filo: Chordata
Classe: Aves
Ordem: Coraciiformes
Familia: Alcedinidae
Género: Alcedo
Espécie: Alcedo atthis
Nome Comum
Guarda-Rios Comum


Foi neste estado em que o encontrei no tanque da lama.



Na fase seguinte a recolha.

No banho.

E por fim na caixa de cartão, onde se encontra agora.

sábado, 4 de agosto de 2007

Dia a dia

O dia amanheceu com o mesmo sol de ontem mas parece-me sempre diferente, dia após dia. O nascer do sol no deserto é bastante atraente e não é possivel ficar-lhe indiferente. Acho que nunca assisti a tanto nascer do sol como aqui. No entanto, e infelizmente, este acontecimento diário não tém nada de romântico e para mim significa o inicio de mais um dia de trabalho.

Estou há quase duas semanas na Libia, onde regressei ao mesmo rig que tinha deixado no final de Junho. As pessoas são praticamente as mesmas. Tal como eu, já foram a casa e voltaram. Parece que nem cheguei a deixar este lugar. O tempo aqui custa a passar e em casa parece que voa. Ainda para mais, estou há quase três dias sem nada que fazer, depois de um inicio trabalhoso. Os ritmos oscilam facilmente entre o muito e o pouco trabalho, sem que se possa prever com exactidão quando um se torna no outro. Simplesmente acontece.

Neste momento procede-se à lavagem de tudo o que está contaminado com a lama usada no furo, que é à base de diesel, para se recomeçar uma nova etapa de furação, com uma lama diferente, menos gordurosa (mais limpinha). Para mim foi uma experiência nova e tive que desenvolver outras metodologias de trabalho de forma a tratar convenientemente as amostras. Apesar do seu aspecto achocolatado esta lama não é nenhum doçinho. Além de emanar um forte cheiro a combustivel fica colada nas amostras (nas luvas, nas botas, na roupa…) e foi necessário o uso de detergente para a sua lavagem. Enfim, tudo isso agora terminou.


Devo recomeçar o trabalho a sério amanhã ou Segunda-feira por isso vou tentar aproveitar para descansar, dar uso à internet (se tiver sinal hoje…) e talvez no final do dia me apeteça dar um passeio pelo deserto. Desde que dei de caras com um chacal (ou ele é que deu comigo) em Junho que nunca mais me senti tão seguro para estes passeios de final de tarde que, por vezes, implicam voltar com a primeira luz do luar. As cobras não me preocupam tanto, talvez por nunca ter visto nenhuma, apesar dos já muitos relatos de avistamentos. Tanto quanto sei as cobras de noite dormem…

Os shale-shakers, onde se recolhem as amostras (...ou Hugo na fabrica do chocolate).

Tanque de retenção para a lama oleosa (Oil Base Mud). Gosto particularmente do pormenor da boia colocada ao lado de um candeeiro envasado. Ao fundo, encontram-se os dormitorios.