sábado, 30 de janeiro de 2010

Oil Industry

Ia escrever que o deserto já não se deveria chamar assim. Que cada vez está menos deserto. Que se encontra cada vez mais preenchido por grandes instalações ligadas à indústria do petróleo ou do gás natural. Ia escrever também que essas instalações albergam uma razoável comunidade de trabalhadores de diferentes nacionalidades, que por lá vão passando temporadas de duração variável, de dias a meses. E que, apesar de servirem de moradas na maior parte do tempo, ninguém as chama de lar; porque a nossa casa será muito mais que o espaço físico constituído por paredes e tecto.

E é por isso que se deverá sempre chamar deserto. Porque ninguém lá mora. Nunca.





quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Libya´s Road & Off-Road Trip

A viagem tem sido muitas vezes repetida e continua a ser a mesma. De Lisboa para Roma e daí para Tripoli. Depois, o que se segue, tem variado. Felizmente, devo aliás acrescentar; nem o mar nem o deserto são propícios ao desenvolvimento de raízes e assim, ao intercalá-los, ao menos afasto um pouco o fastio da repetição com novas experiências e novos horizontes. Já que comecei a fazer a caderneta da Líbia espero que não me calhem mais cromos repetidos. Adiante.



Era então início de Dezembro quando viajei novamente para a Líbia, onde permaneci cerca de mês e meio. O tempo foi repartido por dois locais: primeiro Messla, a Este, e mais tarde Wafa, a Oeste, quase na fronteira com a Algéria. Apartando o trabalho da escrita sobre o trabalho, voltei às viagens pelo deserto que, apesar de muito cansativas, serão sempre grande motivo de entusiasmo para mim. Claro que não será simpático repetir aquele percurso de jipe ao longo de quinze horas seguidas, em que fui conduzido por cerca de 1400 km, após ter passado o dia em aviões e aeroportos (itinerário representado a azul no mapa). Esta não foi uma boa viagem. Não tenho fotografias mas tenho más recordações. O cansaço, a falta de posição no banco, os olhos fechados, os olhos abertos, o amanhecer, os olhos fechados, o almoço, os olhos fechados, o anoitecer, o cansaço, o começar a trabalhar à chegada, o cansaço e os olhos fechados… É o que me recordo.

Mas. Há sempre um mas, mesmo naqueles problemas que se avizinham mais bicudos. Mas, senão for assim só posso falar de trabalho, e isso será uma chatice maior. Pois é verdade que foi uma viagem péssima. Mas, por alguma razão, podia ter sido muito boa. Adiante novamente.



A minha estadia na região de Wafa prolongou-se até dia 29 de Dezembro, quando terminou o trabalho naquele poço de petróleo. Para dizer a verdade estava muito contente a pensar na sorte que tinha: ia calhar tudo tão bem para chegar a Portugal no dia 31. A sorte não vem ao caso e há que desconfiar dela. Aliás a minha confiança na dita estará abalada ao ponto de poder ser restabelecida apenas com um primeiro prémio no próximo euro milhões. Tal como eu já disse, isto agora não vem ao caso. Pois bem, lá tive nesse dia a noticia que iria atravessar a Líbia de jipe para trabalhar noutro poço e com malas feitas lá fui eu (itinerário representado a encarnado no mapa). Comecei por descobrir que o condutor do jipe era local e não falava uma palavra de inglês, o que não era um bom começo para uma viagem de três dias. Comunicar é preciso. Pois bem, afinal ele falava muito bem francês e lá nos entendemos às mil maravilhas. Ele em francês. Eu em francês/arábico/inglês/português. Por mais que eu pensasse primeiro na frase, saia-me sempre uma qualquer palavra não francesa. Adiante pois.



A primeira noite foi passada num simpático hotel em Sirte, que para meu grande espanto parece uma cidade bem organizada e desenvolvida. O facto de ser a cidade berço do actual líder da Líbia tem muito peso porque ao que parece há quarenta anos esta quase não existia. Até aqui a estrada já era minha conhecida de outras aventuras. Sigo sempre para Oeste, paralelamente ao mar e quase sempre sem o avistar. De Sirte, na manhã seguinte, rumo de novo para Oeste e para Sul. Os pontos de interesse aumentam. O deserto renasce e transfigura-se ao longo dos muitos quilómetros. Atravesso as altas dunas para depois percorrer o deserto despido pelo vento. A vegetação escasseia ou outras vezes desaparece por completo por vastas áreas. Avisto por vezes uma árvore, um dromedário, um outro carro ou um camião. A viagem prossegue assim, até à hora de almoço em Husn. Nesta pequena cidade, que aparentemente só tem um restaurante e muito mau, existe porém uma fortaleza que identifica uma antiga ocupação turca. Tiro uma fotografia rápida em andamento ao castelo vermelho e volto à estrada. O cansaço aperta quando o sol começa a dar sinais de querer descer. No entanto, é oportuno: chego a Algharieth para pernoitar. Constato que vou ficar num pequeno hotel com uma série de turistas italianos que, a julgar pelo aparato de motas e veículos todo-o-terreno e sobretudo pela altura do ano, não devem ser bons da cabeça. Tiro umas fotografias ao antigo castelo turco e às ruínas da antiga cidade, mas já à contraluz. É tempo de dormir para acordar cedo.











Fez-se tempo de acordar cedo. Eram duas da manhã de 31 de Dezembro e parecia que não tinha dormido. A estas horas é com dificuldade que encontramos um estabelecimento que nos sirva um nescafé. A viagem termina dez horas mais tarde e eu começo a minha actividade laboral. Foram 1950 quilómetros percorridos.

E ainda há quem se gabe de fazer uma vez por ano o Paris-Dakar. Quando faz.