segunda-feira, 19 de março de 2012

Viagem a Kilwa (Quiloa) - Tanzania

Como sempre, a viagem occoreu num domingo destes e o dia comecou de madrugada tal como nas minhas outras viagens pela Tanzania. O destino desta feita era Kilwa, a Quiloa que ja foi portuguesa.
Sabia de antemao que haveria dificuldades pois ja tinha sido informado do mau estado da estrada, em especial com a agravar do mau tempo da semana anterior. Contudo nao fui preparado. O veiculo, sem traccao integral, nao foi de facto a melhor opcao mas contudo esse nem foi o principal problema. Com muita pena minha um dos bracos da transmissao partiu a cerca de noventa quilometros do meu destino e deixou-me apeado - mas nao desesperado. Se ha coisa a que estou acostumado e' a dificuldades. Pois bem, 'a passagem de um autocarro com rumo a Kilwa escondi a timidez e fiz-me passageiro. O autocarro esta completamente cheio e as pessoas olham-me com admiracao. O estado da estrada agrava-se ainda mais e inclusive por vezes e' necessario sair para que o veiculo possa ganhar altura ao atravessar enormes acumulacoes de agua. Informo-me melhor pelo caminho e sou obrigado novamente a interromper a minha viagem a cerca de sessenta quilometros do destino: fez-se muito tarde e eu tenho obrigacoes profissionais na segunda-feira. Ja sabia que nao haveria mais autocarros a partir para Dar es Salaam naquele dia mas estava a contar com outro transporte para o meu regresso.
No entanto, com a agravar do estado da estrada informaram-me que seria muito improvavel que conseguisse encontrar quem me trouxesse de volta. Saio do autocarro numa pequena aldeia e sinto-me outra vez alvo da curiosidade de todos. Falo um pouco com um anciao e aperto-lhe a mao. Ele fala-me na linguagem dele e eu digo-lhe o pouco que sei em kiswaili. Um ola e um como esta. Aguardo a passagem de autocarros mas todos eles se encontram completamente cheios. Nenhum para. Estou a cerca de cinco horas de Dar es Salaam no meio de nenhures e, o mais importante, nem sequer almocei. Comeco a pedir boleia inclusive a tudo o que e' veiculo que passa mas nada. O tempo passa. Ja ali estou ha mais de uma hora e ninguem para ate que finalmente um camiao TIR responde ao meu sinal. Vai para Dar es Salaam e eu vou com ele, encaixotado atras do banco do condutor com um outro passageiro, uma saca de cocos, garrafoes de agua e outras coisas que agora ja nao me recordo.
Era de noite e eu chegava a casa fatigado, sacudido por uma longa viagem e dormente pela ausencia de tempo de dormida na noite anterior. Nao cheguei ao meu destino. Por vezes ha que saber aceitar a derrota. E refazer os planos para uma proxima tentativa.

sábado, 17 de março de 2012

Mikumi National Park - Tanzania

Como comecar o relato de um dia completo pela savana africana, estranha aos olhos de quem esta mais habituado a uma cidade? Bom, para ser sincero, logo apos a minha viagem, o cansaco ditava que o texto incorporaria um parco fui, andei por la e voltei, esperando que as fotografias completassem o que ficou por dizer. Mandou o bom senso que esperasse, confiando que um outro dia me trouxesse as palavras certas que certamente iriam enriquecer a legenda das imagens presas na lente da maquina fotografica. Como esse dia nao chegou, decidi apenas contar aquilo que recordo, ainda que aos tropecoes.
Foi num domingo destes que decidi que era dia de finalmente realizar o tal safari que muito alimentava o meu imaginario desde que cheguei a Tanzania. Como o meu tempo livre peca sempre por escasso, a minha opcao de visita caiu sobre o parque nacional de Mikumi uma vez que a sua distancia a Dar es Salaam (cifrada em cerca de trezentos quilometros) se torna alcancavel por estrada no proprio dia, considerando tambem o regresso. O plano passava (e passou) por sair da cidade pela madrugada de domingo, chegar de manha, ver o maximo que o tempo me permitisse e voltar ja de noite. E assim foi, deitei-me a meia noite e as duas da manha estava a levantar-me. Vieram buscar-me e fizemos direccao a Morogoro pela noite fora. Tendo em conta a escuridao e o sono nao houve nada a contar ate que comecou a chuva: um rio caiu do ceu e a estrada tornou-se apenas visivel com os frequentes relampagos. Camioes e outros veiculos despistados comecaram a abundar pelas bermas escavadas por torrentes de agua. Estranhamente, o condutor do carro nao parecia nada afectado, o que ate me tranquilizava, apenas ate ao momento em que lhe gritei ja em cima de uma lomba. O carro voou por uns instantes e aterrou no asfalto. A estrada continua invisivel aos meus olhos enquanto o diluvio prossegue, ate que de repente abranda, e por fim cessa por completo. Assim sem mais nem menos. Eram seis da manha e comecava a amanhecer. A agua desaparecia das estradas a chegada a Morogoro – dai faltavam apenas uns oitenta quilometros ate a entrada de Mikumi. Sem mais sobressaltos la chegamos saos e salvos.
Eram oito da manha e eu informava-me dos precos a entrada. Um grupo formado exclusivamente por umas miudas europeias, quase todas loirinhas e com ares de nordicas, prepara-se tambem para entrar. Elas repartem-se por dois jipes alugados para o efeito e eu sou convidado a ir com elas. O meu condutor risse quando eu lhe digo que todos temos prioridades e que a minha de momento nao era a caca nem sequer a observacao dos animais: o pequeno almoco pareceu-me entao essencial. Compro a entrada no parque e a experiencia de um guia que nos acompanhara durante a viagem. Apos ter satisfeito a vontade do meu estomago, comeca finalmente o tal safari. Apanhamos o guia, uma moca local nos seus vintes, com escasso dominio do ingles falado. Pergunto-lhe logo que animais e’ que vamos ver ao que ela responde que depende: impalas, girafas, elefantes e muitos mais. Eu digo-lhe que quero ver os leoes porque tenho intencoes de levar um para casa no banco de tras do carro. O condutor risse mas ela responde que ver leoes so com sorte. Acrescenta ainda, muito seria, que e’ impossivel levar leoes para casa. Para mim, era so uma questao de saber convence-los mas enfim, ela e’ que e’ a guia, portanto assumo que ela deve saber do que fala. Ainda so tinhamos percorrido uns trezentos metros e ja eu dava de caras com uns bufalos. A guia comeca this is the bufallo, he eats grass. Eu, muito espantado, pergunto-lhe se de vez em quando tambem nao comem uns bifes. O condutor risse. Ela acho que nao percebeu. Logo de seguida surgem as impalas. This is the impala, he eats grass. Comeco a achar que esta guia representa os dez dolares mais bem gastos da minha vida. Avistamos uns gnus ao longe. This is the wildebeest, he eats grass. Mais valia darem uma cassete a entrada do parque pensava eu. Pelo caminho observam-se varias especies de aves, mais impalas, outras especies de aves, muitos mais impalas. This is an impala, he eats grass. This is a bird, he eats insects. Nao sei os nomes das aves mas ela tambem nao. A partir dai comeco a chamar tudo de perus ou galinhas, consoante o tamanho – acho que desta vez ela achou piada. Mas leoes nem ve-los. Ocorreu-me que se empurrasse a guia para fora do carro talvez eles aparecessem. Ai queria ver o que ela dizia. Avista-se ao longe um lago – paramos la perto e saimos do carro. Uns quatro ou cinco hipopotamos boiam tranquilamente uns em cima dos outros no centro do lago. This is the hippo, he eats grass. Instrutivo, sem duvida alguma – tecnicamente sempre correcta e nao lhe escapa nada. Mais a frente encontra-se um outro lago, apeamo-nos novamente e nada de hipopotamos. A guia diz-me que naquele lago ha e’ crocodilos. Pergunto-lhe se tambem comem a ervinha. No! The crocodile eats meat. Vivendo e aprendendo. Procuro e nada, crocodilos nem ve-los. Entretanto o motorista, sempre bem humorado, diz-me ainda entre gargalhadas para nao me chegar muito perto da borda do lago porque com os crocodilos nunca se sabe – podem estar bem perto sem que se vislumbrem. Parece-me uma informacao bastante util, talvez a melhor ate ao momento. Voltamos ao carro e continuamos pelo trilho ate que finalmente... This is the lions! E la estavam eles, dois machos deitados bastante perto do trilho. He eats meet. Digo a guia que por acaso essa ja sabia, para ela nao ficar a pensar que sou algum ignorante. O condutor, enquanto se vai rindo, aproxima o carro dos animais mas eles, apesar de ja terem dado conta da nossa presenca nem se levantam. Devem ter estado a comer recentemente e nem se mexem. Estava a espera de mais qualquer coisa para ser sincero. Isto e’ como pagar para ver os palhacos e nos levarem a assembleia da republica – pode ser parecido mas nao deixa de ser decepcionante. De repente, chega um jipe carregado de miudas loirinhas com ar de nordicas – devem ser do mesmo grupo que conheci na entrada e antes que me apercebesse ja havia um outro jipe cheio de indianos em cima de nos. E mais outro ainda a chegar. Pior que que o algarve em agosto, nao ha duvida. Digo para seguir caminho. De qualquer das formas estes tais de leoes estarem ali ou nao estarem era quase igual. Mais a frente avistamos uma girafa que com medo se poe em fuga, infelizmente sempre pelo nosso caminho ate que finalmente encontra mato mais denso. This is the girafe. He eats grass. Continua a viagem. Avistamos agora grupos de animais de varias especies. This is the zebra and the impalas. They eat grass. They are animal friends. Digo-lhe em jeito de gracola que os leoes tambem devem ser amigos, ja que os tinha visto muitas vezes na televisao a correr atras deles. Ela diz que nao. Surgem finalmente os elefantes. O condutor diz-me que com os elefantes e’ que convem guardar uma certa distancia porque, quando se sentem ameacados, podem investir contra o carro. Nao nos chegamos portanto muito perto mas ha um deles que se aproxima mais, quase que parece que veio de proposito para eu lhe tirar uma fotografia – que animal estupendo. The elephant eats grass. Ao longe o resto da manada segue o seu rumo e este meu recente amigo diz-me adeus e junta-se a eles, depois de ter estado calmamente a comer umas ervas tao perto de nos (de resto, a confirmar que a guia sabe do que estava a falar). Foi um excelente momento. Muito melhor que o dos leoes que so sabem estar deitados. Dai para a frente foi um pouco o mais do mesmo. Um desfile de imensos animais das especies ja referidos. De referir que tambem vi uns urubus (acho que eram urubus). Volta e meia tento sair do carro para tirar fotografias mas tendo em conta que ha leoes nas redondezas e que eles atacam por embuscada e’-me negado esse previlegio. A seu tempo o carro para a pedido da guia – ela sai, caminha uns bons vinte metros e eu, meio aparvalhado, penso se os leoes tambem respeitam as zebras quando elas estao nos lavabos. Sai do carro e faco o mesmo. Se os leoes forem todos como aqueles que vi antes bem que posso estar a mijar-lhes para cima que eles nem se chegam para o lado.
A viagem ate a saida do parque torna-se bem mais monotona. O cansaco comeca tambem a abater-se pela falta de dormida na noite anterior. Passamos novamente pelos leoes, que se encontram exactamente no mesmo sitio que horas antes. O condutor desta vez tenta passar ainda mais perto deles e sai do trilho, confiando no seu veiculo de traccao dianteira. O carro perde um pouco de traccao na erva mas la contornamos os leoes a cerca de um metro de distancia. Fecho o vidro da janela quando um deles se levanta – nao va entrar alguma mosca. Voltamos ao trilho e uns tipos de outro jipe fazem o mesmo. Os leoes agora parecem ja nao achar muita graca. Levantam-se os dois, andam cerca de dois metros e deitam-se outra vez. E’ o rei da selva, sem duvida. Chegamos finalmente ao ponto de partida. Despeco-me da guia e agradeco-lhe o tempo dispendido com uma gorgeta generosa. E’ hora de me fazer de novo a estrada de alcatrao. Dar es Salaam ainda esta a quase cinco horas de distancia. Ainda pelo caminho avistam-se muitos macacos pelas bermas da estrada. Sao engracados mas prefiro nao parar. Sao daqueles que tem os dentes muito grandes.