segunda-feira, 1 de maio de 2017

O lítio pode ser a energia do futuro - e há abundância em Portugal

"O século XX foi o século do petróleo, suporte da transformação da humanidade no fim do milénio. Mas o petróleo tem o fim anunciado. Abundante em Portugal, será o lítio o “petróleo” do futuro no nosso país?



Nos quase cem quilómetros quadrados do jazigo de Gonçalo-Seixo Amarelo, os filões de mica litinífera destacam-se como riscos brancos na rocha.

A aparência faz lembrar o chumbo e a consistência macia, que permite cortá-lo com uma faca, intriga ainda mais. O lítio é um metal que… flutua. Tem cerca de metade da densidade da água e foi gerado no Big Bang, juntamente com o hidrogénio e o hélio.
Há muito que entrou na nossa vida. Demos por ele nos equipamentos electrónicos portáteis, mas foi a revolução energética dos automóveis que o trouxe para a ribalta. Portugal é o quinto maior produtor mundial deste metal. A instalação em Aveiro de uma fábrica de baterias de lítio da Renault-Nissan alimentou o debate sobre um modelo de desenvolvimento associado à exploração de lítio. A relação parece óbvia (e sedutora), entre a localização da fábrica e a riqueza do subsolo nacional, mas as aparências iludem. O lítio existente em Portugal é usado sobretudo na indústria da cerâmica e não tem aplicação directa no fabrico de baterias. “O país tem recursos minerais de lítio, que são compostos naturais, mas não são carbonatos de lítio”, explica Machado Leite, do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG). Ora, é precisamente em forma de carbonato que o lítio serve para as baterias.
Além dos jazigos minerais de espodumena, petalite, ambligonite e lepidolite, como no caso português, o lítio também pode ser extraído de lagos salgados, nomeadamente dos Himalaia e dos Andes (Chile, Argentina e Bolívia). É aliás neste triângulo andino que se concentram 75% das reservas conhecidas. O salar de Atacama faz do Chile o maior produtor, e o salar de Uyuni, na Bolívia, ainda por explorar, é o maior depósito do mundo. Na imprensa da especialidade, o lago Uyuni tem sido comparado a Ghawar, o megacampo petrolífero da Arábia Saudita.
Porém, é mais fácil obter carbonato de lítio (Li2CO3) a partir dos lagos salgados do que do minério arrancado às minas. O processo é semelhante ao da extracção do sal marinho. A água destes lagos, que contém entre 200 e 400 ppm (partes por milhão) de lítio, é bombeada para tanques de evaporação, onde o lítio se concentra, normalmente em forma de cloreto (LiCl). Depois é transformado em carbonato por electrólise, purificado e comercializado.


Descoberto em 1817, o lítio foi isolado pelo inglês Humphry Davy através da electrólise, um método ainda usado para obter lítio puro. Começou a ser utilizado comercialmente em 1923 na cerâmica e na medicina, tornando-se depois essencial na aeronáutica e na electrónica.

A trituração e dissolução do minério dos nossos jazigos para produzir Li2CO3 para as baterias é, portanto, mais difícil e mais cara. A Direcção-Geral de Geologia e Energia (DGGE) já manifestou até o seu cepticismo quanto à futura utilização nas baterias de automóveis, embora esta matéria não seja consensual.

Numa coisa, porém, há acordo: o lítio tem importância estratégica e as implicações geopolíticas são fulcrais. Imagine um mundo dependente de lítio e não de petróleo e portanto concentrado na América do Sul, onde a Bolívia faria o papel da Arábia Saudita…

O imaginário romântico do trabalho mineiro com uma multidão de operários a arrancar o minério às entranhas da terra desvanece-se ao chegar à maior mina portuguesa de lítio, na zona de Gonçalo (Guarda). Três homens (uma escavadora e dois camiões) são suficientes, pelo menos nesta fase do trabalho, para roer a encosta, onde se destacam nitidamente as faixas claras, mescladas de lilás, dos filões de pegmatite.


Queimado, o nitrato de lítio produz uma característica chama vermelha.

O minério segue para a fábrica, quase toda automatizada, de onde saem 27 produtos distintos. Cada um obedece a critérios de normalização de teor de lítio e possui uma ficha técnica e um certificado. “A nossa actividade é a produção de matérias-primas para a cerâmica, particularmente feldspatos”, diz Rui Vide, geólogo e administrador da Felmica. “O lítio tem a particularidade de ser um bom fundente.” Ao baixar o ponto de fusão das pastas, reduz o consumo de energia nas fábricas de cerâmica. Neste contexto, não é visto como um produto em separado.

Com uma produção de 30 mil toneladas anuais, a Felmica movimenta 85% do minério de lítio em Portugal. Vocacionada para a indústria da cerâmica, a empresa encara com prudência a agitação em torno das baterias. Falta apurar a viabilidade económica. Ainda assim, desde 2008 que são feitas reservas de concentrados de lítio a pensar neste tipo de negócio.

Os jazigos portugueses são conhecidos há quase um século.
Com uma produção de 30 mil toneladas anuais, a Felmica movimenta 85% do minério de lítio em Portugal.

A Felmica tem avaliadas reservas de dois milhões de toneladas de minérios de lítio e o potencial pode chegar a dez milhões, considerando a espodumena, a petalite e a lepidolite. Há estudos do LNEG para a produção de Li2CO3 a partir de lepidolite e outros minerais. Mas haverá condições para uma indústria de compostos de lítio? “Está nos nossos horizontes. Com um parceiro ou sozinhos, vendendo o minério isoladamente ou tratando-o, todas as alternativas estão em aberto”, diz Rui Vide.


O mapa assinala as seis principais ocorrências de lítio em Portugal: 1. Serra de Arga; 2. Covas do Barroso; 3. Barca d’Alva; 4. Guarda; 5. Mangualde; 6. Segura. NGM-P. Fonte:Laboratório Nacional de Energia e Geologia.

A energia que alimenta o universo é produzida por fusão nuclear, fonte da vida na Terra e das energias que usamos, sejam as fósseis, armazenadas ao longo de milhões de anos, sejam as renováveis. E se conseguíssemos uma máquina que reproduzisse uma fracção do Sol para utilizar aquela energia? Teríamos uma fonte de energia limpa (sem emissão de gases com efeito de estufa), praticamente inesgotável (os “combustíveis” são a água e o lítio) e segura (a palavra mágica). Mas a recriação na Terra das condições das estrelas não é fácil, sobretudo devido às temperaturas de 100 milhões de graus Celsius que é preciso atingir.

A Europa lidera a investigação sobre a fusão nuclear e Portugal tem um papel de relevo. Carlos Varandas, do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, é o actual presidente do conselho de administração da Agência Europeia para o Reactor Internacional Experimental Termonuclear (ITER, na sigla anglófona). Os cientistas portugueses lideram a investigação em duas áreas: a reflectometria de microondas, cuja responsável europeia é Maria Emília Manso, e a instrumentação digital para controlo e aquisição de dados.
O tokamak JET (Joint European Torus), no Reino Unido, já obteve reacções de fusão nuclear, embora sem ganho de energia.


No Instituto Superior Técnico, o tokamak ISTTOK é usado para desenvolver técnicas de diagnóstico e de controlo e operação de máquinas de fusão nuclear, depois ensaiadas em máquinas europeias de maior dimensão. Os cientistas portugueses lideram a investigação em duas áreas deste domínio científico e tecnológico, que poderá transformar o lítio na principal fonte energética do mundo.

O próximo passo é a construção no Sul de França do ITER, o primeiro reactor experimental de fusão nuclear. O tokamak deverá demonstrar a viabilidade científica e técnica da fusão nuclear enquanto tecnologia energética e utilizará todas as tecnologias necessárias para o funcionamento de um reactor de fusão. A fusão nuclear é feita entre dois isótopos do hidrogénio, o deutério e o trítio. O deutério obtém-se da água e o trítio, um material radioactivo de vida curta (12 anos), produz-se a partir do lítio, dentro do próprio reactor de fusão. “Numa reacção de fusão deutério-trítio, gera-se um neutrão que, ao reagir com o lítio, produz trítio”, explica Carlos Varandas. “Portanto, se no interior da câmara de um reactor de fusão houver uma camada de lítio, chamada blanket (camada fértil), esse lítio vai produzir, através das reacções com os neutrões, o trítio necessário para alimentar o reactor.”

Carlos Varandas acredita que na segunda metade deste século os reactores de fusão nuclear estarão disponíveis, podendo solucionar o problema energético global. Estudos sugerem que o preço do KW/h produzido numa central de fusão será idêntico ao de uma central hidroeléctrica, o que o tornaria competitivo. Além disso, as reservas de lítio para uso na fusão nuclear dariam para 30 mil anos, um período suficiente para encontrar outras soluções energéticas e reorganizar o nosso modo de vida." (in National Geographic PortugalTexto e Fotografia: Carlos Franco)

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