Num destes fins de semana atrasados fiz-me a
estrada e rumei a noroeste de Dar es Salaam. Acho que foi num domingo muito
solarengo. Mas nao interessa – aqui quase todos os dias sao solarengos e os
domingos nao sao excepcao. O caminho foi tracado para Bagamoyo e ao longo do
trajecto avalio, com alguma surpresa, a boa conservacao do pavimento pelo que
os setenta quilometros que separam as duas cidades se fazem em menos de uma
hora – marca bastante mais aceitavel que as tres horas de viagem associados ao
trajecto anterior a este. Talvez a cidade tenha recebido a fortuna de uma
estrada de ligacao recente por ser berco do actual presidente. E merece. O
tempo a sombra de Dar es Salaam deixou-a esquecida e ao abandono mas esta novo
rodovia e o novo investimento estrangeiro parece querer ressuscita-la para uma
nova vida suportada pelo turismo. Bagamoyo e’ um local banhado pelo Indico, de
frente para a ilha de Zanzibar, e onde a historia nao se quer deixar apagar. Mas
vamos por partes.
Kaole e a terra
dos Zinj
Os registos historicos da Tanzania comecam com
os visitantes ocasionais da costa este africana que primeiramente a apelidaram
de Azania, mas que mais tarde se passou a designar simplesmente por terra dos Zinj (terra dos negros). Por
entre registos historicos pouco precisos encontram-se evidencias de comunidades
costeiras isoladas mas relativamente desenvolvidas que inclusivamente chegaram
a ter trocas comerciais com romanos e mais tarde com mercadores Arabes. Estes ultimos, em conjunto com os Persas, instalaram-se finalmente por estas terras e fundaram as suas pequenas cidades entre os anos de 800 e 1200.
Este evento criou um novo
registo genetico local e tambem uma nova lingua, o kiswahili, que chegou aos
dias de hoje como a lingua oficial da Tanzania. A maior dessas cidades era
Kilwa Kisiwani (Quiloa) de que restam apenas as ruinas a 260 quilometros a sul
de Dar es Salaam, mas que durante muitos seculos sustentou o porto comercial
por onde passaram escravos, ouro e marfim provenientes do Zimbabwe. Kaole,
situada a cerca de 5 quilometros a sudeste da actual cidade de Bagamoyo, tinha
fortes ligacoes comerciais com Kilwa e tambem com Mombassa, a norte.
A chegada e partida dos portugueses
Em 1488 Bartolomeu Dias dobrou o cabo das
tormentas e este tornou-se em cabo da boa esperanca. A partir dai a costa este
africana esteve sob dominio portugues por cerca de duzentos anos. Apesar do
intuinto principal de chegar a India, a rota das especiarias portuguesa passava
tambem pela Tanzania para outras trocas comerciais que nao sao lembradas aqui
como pacificas. Tendo em conta que as comunidades aqui instaladas eram muculmanas
muito provavelmente a chegada das caravelas da cruz de Cristo nao foi vista com
bons olhos. Kilwa foi atacada
e tornada portuguesa por alguns (mas poucos) anos e nas suas actuais ruinas
ainda se encontra uma muralha de construcao portuguesa. Mombassa tambem foi
tomada mais tarde e sabe-se que houve muita violencia aplicada nestas accoes. A
historia sugere que os portugueses tambem tinham conhecimento acerca de Kaole
mas nao ha registo de confrontos. Contudo, ja no seculo dezassete, os
portugueses deixaram a Tanzania, sendo empurrados pelas forcas arabes para sul,
ate Mocambique. Ficaram para tras apenas alguns canhoes ferrugentos.
Zanzibar e a actual Bagamoyo
Entrando pelo seculo dezoito e caminhando para
o seculo dezanove, Zanzibar, de onde os portugueses tambem foram proibidos de
entrar, substitui aos poucos Kilwa como o principal centro de comercio da regiao
e a riqueza concentra-se nos sultoes arabes que dominam a ilha. Inglaterra,
Alemanha, Franca e alguns outros apressaram-se a concentrar as suas atencoes na
ilha e esta torna-se num intenso porto de comercio de escravos. Dada esta
afluencia de trocas comerciais em Zanzibar torna-se necessaria uma plataforma
no continente e Kaole, apenas a cinquenta quilometros da ilha, e’ a escolha
obvia. Nao se sabe bem como mas por cerca de meados do seculo dezoito surge
pela primeira vez Bagamoyo, apenas como uma pequena comunidade quase as portas
de Kaole. O que e’ certo e’ que o tempo fez com que Bagamoyo crescesse e Kaole declinasse.
No seculo dezanove a Tanzania e’ ocupada pelos alemaes e este passado colonial
ficou bem marcado em Bagamoyo. Edificios como a igreja, o pequeno forte e alguns
outros ainda se encontram preservados. Junto a missao catolica encontro um
vendedor ambulante que tem na sua posse, por entre outras coisas, uma serie de
moedas antigas e eu, interessado, compro-as todas: desde coloniais alemas ainda
do seculo dezanove, britanicas do inicio do seculo vinte e tantas outras ja com
cunho da actual Republica da Tanzania. Dois passos adiante, situa-se o museu
catolico ao lado da igreja que pode ser visitado todos os dias e vale mesmo a
pena: a contextualizacao historica e’ essencial para perceber minimamente todas
estas mudancas que culminaram no empobrecimento desta actual cidade de
pescadores.
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