domingo, 8 de janeiro de 2012

Entrevista do jornal Publico a António Costa Silva

António Costa Silva, presidente presidente executivo da Partex Oil and Gas, petrolífera da Fundação Calouste Gulbenkian diz estar “extremamente preocupado com os sinais que vêm, relativamente ao cluster das energias renováveis”, um sector que construiu fábricas, dá emprego e exporta, e teme uma “desarticulação e incoerência” em relação às políticas europeias.

Com uma produção diária de 46 mil barris, “de longe a maior do país neste indicador”, sublinha Costa Silva, a Partex teve em 2011 um dos seus melhores anos de sempre e está a diversificar a sua podução, apostando mais no gás natural e menos no petróleo, que tem sido domintnate. O objectivo é atingir, dentro de cinco anos, 50% para cada área de negócio.

O gestor concorda que os subsídios às energias renováveis “devem ser ajustados” para um cabaz de energias que “seja realmente competitivo”, mas isso terá de ter em conta que as energias renováveis não são iguais entre si. “Os preços da eólica podem ser já competitivos em termos de economia de mercado, enquanto a solar não é, de certeza”, diz, lembrando que os energias renováveis são responsáveis por 15 por cento dos custos políticos pagos na factura de electricidade.

Que resultados espera a Partex em relação a 2011?
Foi um dos melhores de sempre, em função do preço do petróleo, uma variável que afecta significativamente a nossa performance. Até Outubro, o preço esteve na ordem dos 111 dólares por barril, que é superior ao preço de 2008, o ano de pico. E as nossas operadoras tiveram uma performance acima do plano de negócios. Foi um ano excelente.

Quais as companhias com melhor desempenho neste momento?
São sobretudo as do Médio Oriente. Estamos presentes em Abu Dhabi e Omã. Todas as companhias operadoras nestes países de petróleo e gás natural liquefeito (Adco, Gasco, PDO, OLNG e Mukhaizna) tiveram um desempenho muito significativo.

Como explica isso?
Com a expansão da produção. São países que têm reservas em alguns casos. e há outros factores importantes, por exemplo, que é o mercado de gás natural liquefeito (GNL). Houve um efeito muito importante neste mercado no mundo criado pelo tsunami e pelo terramoto de 11 de Março no Japão. Quando o Japão paralisou, parte da produção de energia eléctrica nuclear estava paralisada, quem respondeu foi o mercado de gás liquefeito. Portanto, o Japão, que já era o maior consumidor mundial de GNL, em 2011 consumiu ainda mais 10 milhões de toneladas, para substituir a paragem da energia nuclear e ainda hoje 40 dos 54 reactores nucleares do Japão estão parados. Portanto, são o gás e as energias renováveis que estão a responder a esta falha da energia nuclear.

O que é que isto criou em relação ao mercado mundial?
O mercado do gás é muito fragmentado, aliás os preços nos EUA são quatro vezes inferiores aos preços do anel do Pacífico e a Europa está numa posição intermédia e mais próxima da Ásia. O que se passou é que a resposta do mercado de GNL foi brutal, muitas das cargas da Europa também foram desviadas para a Ásia e o GNL veio aqui exercer aqui o efeito de uma força globalizadora. Este mercado em 2010 cresceu 22%, a nível do mundo todo, o mercado do gás todo (liquefeito e gasoso) cresceu 10% em vendas globais. O GNL representa 30% do total.


Cinco anos a diversificar


Quanto é que cada um dos negócios, gás e petróleo, pesa nas contas da Partex?
As nossas companhias de Omã têm uma contribuição significativa para os negócios da Partex, à volta de 60 a 65%. Curiosamente, agora estamos numa política de diversificação, quer na produção quer nos activos. O Médio Oriente é um risco e tem uma instabilidade crescente. Nos próximos cinco anos, queremos ver se a contribuição de Omã e Abu Dhabi baixa em conjunto para menos de 50%, para a produção no Cazaquistão, Angola, Argélia, Brasil começar a impor-se. Abu Dhabi vale hoje cerca de 10%, É o nosso plano de diversificação.

Em termos dos resultados da Partex, o que foi gás, petróleo e renováveis e qual é a produção diária neste momento?
Renováveis não gerimos aqui. A nossa receita líquida em 2011 foi de 141 milhões de dólares. Ficou 17% acima do resultado de 2010. Omã representa cerca de 68% das receitas do grupo e Abu Dhabi 13,6%. O Casaquistão já representa cerca de 17%. A produção diária é de 46 mil barris, de longe a maior do país neste indicador.

Esta diversificação de que está a falar, em termos de equilíbrio entre gás e petróleo, vai alterar?
Vai. O gás representa 28% das nossas receitas actuais, mas queremos aumentar no futuro esta quota para haver maior equilíbrio entre o petróleo e o gás.

E há objectivos assumidos?

Há objectivos, alguns que já se materializaram.
O projecto Ahnet na Argélia, operado pela Total, tem a Sonatrach e a Partex como parceiros e é um grande projecto de gás. Em termos de volume equivalente a petróleo, são cerca de 700 milhões de barris de reservas de petróleo. É um projecto que vamos tentar desenvolver, embora seja complexo e haja sempre questões ao nível do próprio plano de desenvolvimento, da articulação com as autoridades, mas nenhum destes projectos é fácil, são sempre complexos. Temos também o objectivo de ter uma concessão em Moçambique.

É um alvo de investimento?
Sim. As descopbertas na bacia de Rovuma são extremamente importantes. Sem dúvida, pode-se fazer ali um projecto de GNL vencedor porque toda a bacia do Índico precisa de gás, como a Índia e a China.

Quando é que acredita que este projecto pode começar a ter resultados palpáveis?
Ainda estamos numa fase preliminar. Enquanto na Argélia já o contrato foi assinado, há cerca de dois anos, este está em desenvolvimento e em diligências para ver se conseguimos materializar esse projecto.

E em parceria com quem?
Em Moçambique há várias entidades que estão interessadas, mas nós provavelmente iremos com Omã, com a Oman Oil (OOC).

Quando fala de aumentar o peso do gás natural, a Partex definiu um patamar para este aumento?
Nós gostávamos de ter mais ou menos 50% de petróleo e 50% de gás. Acreditamos que o gás vai ser o futuro do petróleo, com as descobertas grandes que se realizaram, com o gás ‘shale’ (não convencional) dos EUA e de muitos outros países. O gás é muito versátil, pode servir para a produção de energia eléctrica mas também pode ser aplicado nos sistemas de transportes e outros projectos. A Shell e o Qatar estão a desenvolver projectos dessa índole. Acreditamos também que, sendo o combustível fóssil mais limpo, tenderá a prazo a substituir as centrais de carvão. Outra tendência vai ser a descarbonização da economia, que se irá acentuar cada vez mais. E depois, há toda uma revolução nos EUA, onde já se discute a gaseificação da economia americana, com a provável aplicação do gás em múltiplos sectores, desde a geração eléctrica até aos transportes. Isso também vai servir de exemplo catalisador.

É do interesse da Partex ter um pé também no negócio de transporte de gás liquefeito?
Temos uma participação no projecto Oman LNG, foi um dos primeiros que se desenvolveu na área de transporte de gás natural liquefeito, mas o produto é transportado em barcos da companhia nacional omanita. É uma shipping company. Nós não estamos a ver uma participação, uma companhia de transportes é outro negócio e às vezes misturar cria muitos problemas.

O interesse de Omã na REN passou pela Partex?
Não se deve directamente a nós, embora tenhamos sido consultados e vejamos a iniciativa com muitos bons olhos.

No que respeita ao equilíbrio entre o gás e o petróleo, qual é o vosso calendário?
Queremos atingir essa meta nos próximos cinco anos, mas não depende só de nós. Depende das oportunidades, de se conseguir os projectos, de se poder desenvolvê-los. O objectivo é este próximo ciclo de cinco anos, mas se não for pelo menos ficará lançado para se concretizar no ciclo seguinte.

E além do petróleo e do gás, onde querem crescer mais?
Temos projectos na área das energias renováveis, mas isso é com o nosso accionista, a fundação tem esses investimentos.

Nos investimentos de gás e petróleo, o que é onshore e offshore neste momento?
Os investimentos offshore que temos são só no Brasil, temos a participação no bloco B-MS-10 na bacia de Santos, temos uma participação também na bacia de Sergipe Alagoas, também num bloco da Shell em offshore e temos a participação em Angola no bloco 17-06. Nenhuma delas está a dar receitas, porque ainda estamos em fase de exploração.


Perfurar poço em Peniche decide-se em 2013


Como está o projecto de Peniche? No ano passado estava com muitas expectativas relativamente ao trabalho que estava ser feito. Tem dados mais concretos?
Neste momento fizemos já as campanhas de aquisição sísmica 2D e seleccionámos uma área mais pequena onde fizemos uma campanha de aquisição sísmica 3D. Estamos na fase de analisar os dados: combinar os dados sísmicos com os dados geológicos, ter um modelo de interpretação da bacia, identificar depois o sistema petrolífero, com os cinco elementos que tem. Não basta ter a rocha-mãe, a geração, a rocha-reservatório, a aguadilha, mas também o sincronismo que tem de existir. O nosso operador, que é a Petrobras, está a desenvolver um excelente trabalho a esse nível. Em 2013 é que vai ser tomada a decisão se se perfura ou não um poço para testar os principais prospectos identificados.

As estimativas mantêm-se?
À medida que o tempo vai passando, obviamente que as estimativas vão mudando. Partilho da opinião de que há uma probabilidade de existirem hidrocarbonetos, até porque há uma similaridade muito grande do ponto de vista geológico de toda a costa portuguesa com a costa do Canadá, onde foram descobertos dois campos, o Medley e o Terra Nova, com mais de 1000 milhões de barris.
Há 200 milhões de anos, as duas costas estavam ligadas e têm grandes semelhanças geológicas.
Além disso, há grandes semelhanças, sobretudo sísmicas entre a costa portuguesa e a da Mauritânia, onde foram descobertos alguns campos. Já percebemos que há aqui um conjunto de elementos, mas basta falhar um deles para as expectativas descerem a zero.

Como é que a empresa vê neste momento a situação no Médio Oriente?
Estamos muito preocupados, quer com a situação no norte de África quer com o Médio Oriente. No Médio Oriente temos neste momento praticamente uma guerra civil na Síria, temos a instabilidade no Iémen, temos o Bahrein que continua com grandes tumultos e instável e há uma questão crucial que é a própria Arábia Saudita. A Arábia Saudita hoje é gerida por uma gerontocracia que às vezes nem responde aos apelos do tempo, da modernidade, tem um imobilismo social completo, veja-se o facto de as mulheres não poderem conduzir.

Está mais pessimista do que há um ano, então?
Estou relativamente pessimista. Para complicar, há uma luta fortíssima entre dois velhos países rivais, a Arábia Saudita e o Irão, e a situação está carregada do ponto de vista político. E qualquer pequena fervura, qualquer incidente pode criar uma situação muito difícil. Os sauditas estão rodeados por um arco de instabilidade e no interior do país, os 12% de população xiita estão concentrados na província oriental, na província de Katif, que é precisamente onde estão todos os grandes campos petrolíferos.
Os xiitas estão sempre sob as influências do Irão. O Irão já influenciou muitas manifestações no Bahrein. Aos problemas das condições sociais, juntam-se as questões políticas.
Setenta por cento da população do Bahrein é xiita, 30% é sunita. O pais é uma monarquia sunita. Não é por acaso que a Arábia Saudita interveio militarmente no Bahrein e também não é por acaso que a Arábia Saudita tem avisado o presidente da Síria. Este é apoiado pelo Irão, é o seu grande apoiante na zona. O Irão apoia o regime sírio e desestabiliza no Bahrein, a Arábia Saudita estabiliza o Bahrein tentando desestabilizar a Síria e nós estamos aqui num jogo político muito complicado.

O desenvolvimento do programa nuclear iraniano é uma situação extremamente difícil. Podemos ver isso no mercado, os reflexos imediatos. No mercado de futuros, aquilo a que chamam as ‘call options’, que são os contratos para um direito de compra a preços pré-determinados com uma data futura, para o preço do petróleo que chega a cerca de 180 dólares, aumentaram exponencialmente. Aumentaram mais de 30% num mês, de Novembro até agora final de Dezembro. Há por isso uma apetência do mercado, uma visão do mercado, que eles chamam de aumento do preço do petróleo se houver um ataque nuclear, um acidente entre os dois países. E porquê? Porque tudo se confina ao estreito de Ormuz, onde por dia passam 16 ou 17 milhões de barris de petróleo. Um terço do petróleo transaccionado no mundo, transportado por mar, passa por ali. E portanto, se acontecer alguma coisa, afecta o estreito de Ormuz e é evidente que vamos ter uma grande convulsão se isso acontecer. É um cenário plausível.


Fecho do estreito de Ormuz terá efeitos “catastróficos”


Quais são as consequências em Portugal de haver uma situação desse género?
Os efeitos seriam catastróficos, em todo o lado, em Portugal, na Europa, no mundo. Esperemos que não aconteça, que haja razoabilidade, mas não podemos esquecer que há entre estes países uma tensão muito grande. Muitos dirigentes destes países da Península Arábica são sunitas e não esquecem a declaração que o ayatolah Khomeini fez quando foi a revolução no Irão. Ele disse: ‘o mundo islâmico até hoje foi dirigido pelos árabes, foi dirigido pelos turcos com Saladino, foi dirigido pelos turcos com o império otomano, chegou a hora dos persas’. E estão convencidos de que isto é tudo um programa político. O Irão capitalizou todos os erros que os Estados Unidos cometeram, a própria liderança saudita tem-se afastado dos EUA, criticando abertamente. Ficaram descontentes por os EUA não terem intervido para salvar o ex-presidente do Egipto. Elementos importantes da hierarquia saudita criticaram directamente os EUA e disseram que a política que vigorou até hoje - petróleo em troca de segurança -, não é suficiente. A relação com os EUA pode ser tóxica para todo o Médio Oriente. Os sauditas têm pavor do poder nuclear iraniano e com Israel do outro lado, estou relativamente pessimista em relação a este barril de pólvora.

No caso de a situação dos preços ser insustentável para os operadores, a Partex põe a possibilidade de sair do Médio Oriente?
Pelo fundador, não há nenhuma obrigação específica de manter, mas é óbvio que é parte da nossa história. Se falar com muitas pessoas do Médio Oriente, a Partex foi a iniciadora da indústria petrolífera no Médio Oriente, foi a pioneira.
Eles dizem “you are part of it”. Disso não há duvida nenhuma.
Faz parte do património genético da companhia a ligação a estes dois países. A empresa existe há 75 anos e a situação nos dois países (Abu Dhabi e Omã) a situação é um bocadinho diferente. Abu Dhabi é muito estável, não houve até agora qualquer tumulto. Em Omã houve, mas com a sabedoria do sultão Qaboos ficou estabilizada. É preciso ver que estes dois países têm um modelo de distribuição da riqueza que vai funcionando, a nível dos nacionais.

Não podemos esquecer que há um paradoxo no mundo árabe. Egipto, Líbia, Tunísia: todos islamizados mas com governos laicos, foram os primeiros a cair. De certa maneira, algumas das monarquias têm maior legitimidade do ponto de vista histórico mas não podemos ignorar que há aqui um jogo de aspirações, há desemprego e uma população mais jovem que é muito ocidentalizada. E todos esses elementos têm o seu peso e podem levar a situações difíceis. Em relação a Abu Dhabi e Omã temos total confiança nas reformas introduzidas. Agora, todo o arco de instabilidade que está à volta é para nós extremamente preocupante.

Há estudos sobre o mercado do petróleo que identificam o que irá acontecer ao preço do petróleo se houver um ataque israelita ao Irão em meados deste ano. Nos primeiros dias pode chegar aos 150 dólares e depois vai para 200 e pode subir mais se interromperem o estreito de Ormuz. Esperemos que alguma coisa aconteça a favor da racionalidade, porque temos o risco de um efeito dominó face ao que se passa na Síria, no Bahrein, no Iémen. É uma área onde estão concentrados 65% das reservas mundiais de petróleo. E 2012 vai ser um ano-chave relativamente a isso.


Portugal deve aliar-se para explorar recursos no fundo do mar


Tem falado muito da economia do mar e de dados interessantes relativamente a esta reserva mundial de sulfuretos que Portugal conquista com o alargamento da plataforma continental. Até que ponto é que todos os recursos interessantes para a indústria, quer petrolífera, quer energética, são viáveis no médio e longo prazo para as empresas e países?
Os recursos são muito diferentes. Quando falamos de nódulos de manganês são nóulos depositados no oceano e é relativamente fácil a sua remoção. No fundo, é uma questão de colecta desses nódulos. Em 2006, a Alemanha desenvolveu um projecto numa área dessas que está em andamento. Os sulfuretos polimetálicos já são diferentes, porque contêm cobre, zinco, e esses já exigem outro tipo de equipamentos e a indústria petrolífera pela sua experiência pode fornecer essas soluções.

Estamos sempre a dizer que o país não tem recursos, fala-se do anátema de um país que não tem recursos e não se faz nada. A verdade é que o país tem recursos e tem de se olhar para eles.

Até que ponto estão provados esses recursos?
Há vários projectos no âmbito da extensão da plataforma continental, como o mapeamento. Numa conferência internacional, há alguns, um especialista das Nações Unidas projectou as zonas económicas exclusivas do mundo com a (então) possível extensão e e Portugal estava no centro, também a nível de sulfuretos. Aqui, dizemos sempre que não temos recursos. Mas quando os recursos existem devem ser mapeados, é uma questão de soberania, Há vários projectos que se estão a desenvolver pela Alemanha e pela China, que precisam das matérias-primas estratégicas e do seu controlo, como demonstra a guerra, entre aspas, entre a China e o Japão por causa das terras raras no ano passado, um grupo de 17 elementos que são utilizados na indústria electrónica de alta precisão e na fabricação de magnetos e outros materiais para os computadores, turbinas eólicas. Há muita utilização em materiais de alta tecnologia. A China parou as exportações para o Japão e os japoneses capitularam em 24 horas. Vamos assistir a muitas destas coisas no século XXI. As pessoas defendem que o país não tem recursos, mas fazendo o mapeamento dos recursos nós podemos atrair. O que eu defendo é que haja alianças, que haja pensamento estratégico para desenvolver todos estes recursos na zona económica exclusiva, e que podem envolver materiais de alta tecnologia, através de uma aliança com a Alemanha ou com os Estados Unidos. Ambos os países estão interessados porque precisam das matérias-primas. Não tenho dúvida que será importante no futuro. Em 2006 a Alemanha já teve uma concessão, os EUA já estão na China a obter uma concessão na área do offshore no Oceano Índico para lançar uma prospecção. A Rússia tem muito trabalho feito na área dos hidratos de metano.

Como é que país que não conseguiu até agora fazer a sua cartografia de ordenamento, vai conseguir fazer um mapeamento do tamanho da nossa nova ZEE?
O que está aqui nem causa é a sobrevivência do país, é encontrar um modelo de desenvolvimento económico que se baseie no aproveitamento dos seus recursos. As pessoas partem do princípio que o país deixou de ter recursos e isso é a justificação do conformismo e de uma apatia generalizada. É por isso que conto a história da senhora Golda Meir, antig a primeira-ministra de Israel. Um dia desabafou perante o seu estado maior: ‘não me venham falar de Moisés, porque esse homem escolheu o único lugar no Médio Oriente em que não há petróleo’. Durante anos, Israel assumiu que não tinha recursos petrolíferos nem de gás. Há cerca de oito anos o governo identificou que o fornecimento de gás era um risco máximo – na realidade, com os incidentes do Egipto no ano passado, o pipeline do Sinai ficou paralisado e Israel ficou sem 45% do seu gás. Há oito anos, o Governo criou uma comissão de cientistas, geocientistas, geólogos, que trabalharam com o poder político. Mas aqui em Portugal nós nunca fazemos isso.

Cientistas a trabalharem com o poder político?
Nunca podemos ter uma política energética consistente se ela não articular as vertentes técnica, económica, política e a componente internacional.
Às vezes só vemos um ou dois elementos e depois as coisas falham todas.
A política energética para ser consistente tem de fixar objectivos, fazer uma análise quantitativa, de análise de custo e benefício. Se apostamos num recurso preciamos de saber quanto custa, qual é o seu custo-benefício, nós nunca fazemos isso de forma estruturada. E depois, estas políticas transcendem os círculos eleitorais, mas começamos sempre tudo do zero de cada vez que os actores e os interesses mudam. Não pode ser assim. E o que aconteceu em Israel? Eles lançaram a Iniciativa Estratégica para a Energia e descobriram os campos de Tamar e Leviathan. Em conjunto têm cerca de 24 biliões de pés cúbicos de gás e a bacia ao sul de Jerusalém tem petróleo não convencional com reservas substanciais. Isto mostra que mais do que capitularmos é preciso estudarmos o país, mapearmos os recursos e desenvolvermos para cada uma dessas áreas modelos que atraiam investimento externo.

Esse mapeamento está a ser feito, não está?
Sim, mas depois a articulação entre toda esta área e as decisões políticas não acontece. No projecto da repsol no Algarve, foi o governo que lançou o concurso em 2001 e demorámos 10 anos para assinar o contrato. Este é o retrato completo da nossa incompetência política estratégica.

Não nos vamos ver livres dos recursos fósseis nas próximas décadas. Vamos tê-los até ao fim do século e se calhar até depois. E portanto, o facto de existirem estes recursos no país, ou a probabilidade de existirem, devia suscitar exactamente o interesse nacional. O país não vai investir, são as companhias que assumem o risco. O país vai ter royalties, rendas, tudo isso. Se houver descobertas passa-se para um patamar diferente.

O contrato no Algarve foi o melhor possível?
Não conheço os detalhes, portanto não vou comentar em relação a esse aspecto. Penso que o país, em função dos seus recursos, deve potenciar essas oportunidades. E estes contratos não podem nesta fase ser muito elevados porque não provámos a existência de recursos. Até descobrirmos, temos primeiro de atrair as companhias para fazerem esses trabalhos de pesquisa.

Mas na bacia de Cádiz, já houve descobertas?
Já há 40 anos, no campo de Poseidon, que a Repsol explorou. E ainda por cima é uma área turística, não houve nenhuma convulsão por vausa disso.
As companhias têm de ter procedimentos operacionais seguros, ainda por cima nestas áreas que são áreas offshore.
Há condições para se avançar, agora que foi assinado o contrato.

Em relação aos sulfuretos, que estratégia política defende que deveria ser adoptada por este governo?
Penso que o mapeamento desta área de sulfuretos polimetálicos está em curso. É evidente que depois de serem mapeados tem de se fazer um teste-piloto, uma confirmação in loco da sua área. Mas depois o fundamental é desenhar as políticas de alianças com quem esteja interessado em participar na exploração dos recursos, como a Alemanha, os Estados Unidos e outros.

Poderia ser uma diversificação também para a Partex?
Esse é um assunto da competência do accionista, mas penso que não está interessado. Eu falei nisso porque sinto que é uma oportunidade para o país se desenvolver.


Renováveis são responsáveis por 15% dos custos políticos pagos na factura da luz


O secretário de Estado da Energia ainda há pouco tempo referiu que os preços em Portugal, com o aumento do IVA e tudo, em termos de paridade de poder de compra são os mais elevados da UE. Há margem neste momento para conseguir que os preços se mantenham estáveis e não continuem a subir de forma tão acelerada?
Em relação aos preços da electricidade, quando olho para os dados da EDP não mostram isso. Há aqui diferentes formas de olhar para os preços.

Mas estou a falar em termos de paridade de poder de compra.
A EDP quando apresenta os preços estão perfeitamente alinhados com a média europeia. Portanto, acho que é um falso problema. Ainda é prematuro julgar a política deste governo na área de energia. Há sinais positivos como a assinatura do acordo de energia no Algarve. Outro sinal que me parece positivo é a revisão da lei da concorrência, que é parte do programa da troika. Temos um mercado onde muitas vezes há simulacro de concorrência. No mercado da energia é extremamente importante promover novos actores, dar oportunidade aos jovens de diferentes áreas que querem lançar as suas empresas, aumentar a competivividade do mercado, com muitos bons olhos. Porém, fico extremamente preocupado com os sinais que vêm relativamente ao cluster das energias renováveis. A aposta que o país fez nas energias renováveis foi séria e consistente. O cluster que se criou já exporta e diminuiu as nossas importações.

Quem conhece a história da energia sabe perfeitamente que nenhuma se impôs sem um período inicial de tarifas de apoio para que adquira dimensão e depois siga para o mercado. Para mim, é um erro trágico se o país agora destruir o cluster das energias renováveis. Porque as energias renováveis baseiam-se em recursos endógenos que o país tem, mais uma vez é parte desta luta de olhar para os nossos recursos e criar condições para os produzir.

Partilho inteiramente que o preço da electricidade tem de ser competitivo, que as energias que utilizamos têm de ter um mix competitivo, portanto há que fasear este apoio às energias renováveis, definir a base temporal em que terminam e depois deixar o mercado falar. Mas nesta altura, destruir o que foi feito, rasgar os contratos que foram assinados parece-me uma visão péssima.
E depois temos algumas das nossas elites que fazem campanhas contínuas contra os nossos recursos.
São recursos endógenos, e agora há o mito que se criou de que as energias renováveis são responsáveis pelos custos políticos da factura eléctrica. Se olharmos para esses custos políticos, as energias renováveis são responsáveis por 15%, depois temos os chamados CMEC (que substituíram antigos contrados de aquisição garantida de energia), apoios às centrais a carvão e a gás, que curiosamente no ano de 2010 foram superiores às renováveis, temos os contratos da cogeração, as contribuições para as autarquias, a contribuição para as regiões autónomas. E depois mistura-se tudo isto no mesmo saco e faz-se esta campanha obscena que é contra os recursos nacionais. Pode criar condições para que se venha a tomar uma decisão de cortar e destruir esse cluster e penso que realmente estamos a ver no curto prazo e não olhar para o longo prazo.

Devia haver ou não uma alteração aos sistemas de subsidiação?

Sim, devia haver, os subsídios devem ser ajustados, temos de procurar construir um mix energético que seja realmente competitivo, as energias renováveis são muito diferentes.
Os preços da eólica podem ser já competitivos em termos de economia de mercado, enquanto a solar não é, de certeza. Mas o que levanto também é uma visão de médio e longo prazo, porque os preços do petróleo estão a aumentar. E os custos de produção das energias renováveis vão baixar. Daqui a cinco anos serão muito mais competitivos, daqui a 10 serão muito mais. É por isso que defendo que deve haver este cluster das energias renováveis, com base nos recursos endógenos, porque é um benefício para o país e é um investimento estratégico. Podemos ter a electricidade gerada a partir da água, dos recursos hídricos e das outras energias renováveis. Pode ser um objectivo que se venha a atingir no futuro. E mesmo aí a energia hídrica só é aproveitada em cerca de 50%.

A questão depois é também a intermitência desta energia, porque a produção não consegue ser constante
Se for vista isolada é um problema, se for do ponto de vista da organização das redes e do que se chama redes inteligentes, que servem para gerir a oferta e a procura aplicando as tecnologias de informação, aí o problema da intermitência será minimizado. A própria comissão europeia tem projectos para modernizar as redes eléctricas europeias, para se investir nas smart grids.

É claro que tem de haver aqui uma análise quantitativa, de custo-benefício, mas no fim o sistema fica muito mais atractivo e resolve-se o problema da intermitência. Não se pode esquecer que um dos aspectos negativos da electricidade até agora é que ainda não descobrimos uma forma de armazená-la. Vai ser a grande descoberta do século XXI. Com uma gestão eficiente da rede e uma gestão inteligente da oferta e da procura pode minimizar-se esse efeito [da intermitência], em vez de ficarmos à espera dessa descoberta.

Quando o memorando de entendimento com a troika diz que tem de se acabar com subsídios excessivos, mas não liga à política de apoio às renováveis, abre caminho a essa destruição?
O programa da troika despertou um unanimismo nacional num país de maledicentes. O programa é necessário, mas não resolve nada. Põe as contas públicas em dia, mas não resolve nada em termos de crescimento do país e em ultrapassar esta incapacidade dos últimos 10 anos, de lutar contra a estagnação económica. É por isso que o programa da troika tem de ser ligado a uma visão estratégica de desenvolvimento futuro do país. A energia não está separada da economia. É parte integrante da economia, ela própria é uma fonte vital da economia e quando pensada estrategicamente pode ser uma alavanca de desenvolvimento.

Quanto ao cluster das energias renováveis, é evidente que há este período de subsidiação inicial em que tem de ser ajustado, mas ao mesmo tempo há um cluster com fábricas construídas, gente empregada e tecnologia que se desenvolveu, com exportação de equipamentos para o exterior e tudo isso tem valor. Não podemos esquecer esse aspecto.

E quanto ao programa da troika, os países membros da União Europeia fazem exactamente o contrário do que receitaram a Portugal, a começar pela Dinamarca
Não há nenhuma forma de energia que não tenha subsídios. Aliás, o ultimo relatório da Agência Internacional de Energia dizia que os subsídios aos combustíveis fósseis são cinco a seis vezes mais do que as renováveis e os fósseis são dominantes no sistema. Não podemos esquecer esse aspecto. É evidente que não é saudável que uma economia viva de subsídios, o que defendo é uma subsidiação numa janela temporal determinada para gerar um cluster que tenha dimensão suficiente para depois seguir para o mercado e deixar o mercado falar. Não é matar o processo a meio.

Para os consumidores, é complexo saber o que estão a pagar através das tarifas e o que pagam depois através dos impostos. Não deveria haver uma comunicação mais clara, que não seja só sobre os CIEG (custos de interesse económico geral), mas que também diga que os nossos impostos pagaram, por exemplo, a dessulfuração da central do Pego?
Falta ao país uma autoridade técnica nacional na área da energia, que tornasse mais transparente a formação de preços, mas também a própria modelagem do sistema energético nacional, como há em outros países. Diz-se ‘vamos construir uma central nuclear’, falamos, mas não temos qualquer análise quantitativa do seu impacto sobre todo o sistema energético. Apostamos nas energias renováveis e qual é o impacto que isso tem no sistema eléctrico nacional? Qual é a análise custo-benefício que lhe está subjacente? O que ganhamos?

Se não houver este trabalho de base, fala-se, berra-se mas não se chega a sítio algum. Tem de haver uma metodologia para abordar as questões. Em Portugal segue-se muito o conselho de Bismark, que dizia que que a política se faz com sentimento e não com cálculos. Portugal segue esse conselho e não tem uma visão lúcida de base de uma política energética consistente, que ultrapasse os ciclos eleitorais. Vivemos quase em adolescência política. A energia é como a educação e a saúde. São vitais e precisam de um rumo claro.


Vai haver desarticulação em relação à política europeia


Como olha para o que tem sido o discurso do Governo em relação às energias renvoáveis e o que são as prioridades da UE, com a nova presidência dinamarquesa a afirmar que a prioridade será energia renovável e eficiência energética?
Vai haver uma desarticulação e incoerência em relação à política europeia e depois, no próximo choque petrolífero, que não vai tardar, vamos todos gritar que a nossa factura energética de 8,2 mil milhões de euros em 2008 foi muito baixa, comparada com a que vamos pagar. Em 2011 batemos o recorde, vamos passar dos 8,2. O que vai acontecer é que vamos usar ainda mais fontes externas para alimentar o nosso sistema energético e vamos recuar no caminho já feito. Tínhamos conseguido que os nossos recursos endógenos representassem 18 por cento da produção de energia primária, depois de muitos anos estagnados nos 15 por cento. Se fizermos o contrário, destruímos o cluster das energias renováveis e regressamos aos 15 ou mesmo abaixo.

Isto tem a ver com a falta de atenção das elites portuguesas em relação aos recursos endógenos. Vai aumentar a nossa dependência em relação ao exterior, vai aumentar a factura energética, que tinha representado 6% do PIB em 2008.

Mas muito deste consumo é transporte. Como se pode baixar a factura aqui?
Passará por uma reorganização do modelo de cidades. O automóvel individual foi uma grande conquista do séc. XX. O transporte público das cidades, ferroviário, eléctrico, vai ser a grande conquista do séc. XXI. Será insustentável viver nas cidades de outro modo no futuro. Basta que os preços disparem.

Por cá, as empresas reduzem o serviço para equilibrar as contas..
Se tivermos uma boa capacidade de geração eléctrica no país, com base em recursos endógenos, o carro eléctrico pode ser a solução adequada neste sistema para quebrar a dependência do sistema de transportes em relação ao petróleo, sobretudo nas cidades.

Acha que a entrada de um novo accionista na EDP pode alterar este caminho que o Governo tem anunciado?
Do que vi em relação à EDP, tem havido uma dessintonia completa entre o que se passa no mundo e o que se passa em Portugal.
Os varios accionistas valorizam a EDP pelos seus activos de energias renováveis.
O que criticamos é o que os estrangeiros valorizam.

Havia outra saída que não as privatizações para responder à troika?
Não há um pensamento estratégico por detrás destas operações. Um pensamento estratégico implica uma política de alianças, escolha de parceiros, olhar para o futuro e ter um pensamento de médio e longo prazo. Se isso não existe podemos ter uma situação difícil de venda ao desbarato de activos estratégicos para os países.

A Partex nunca pensou aliar-se para ir à privatização da EDP?
Isso são questões de âmbito exclusivo do nosso accionista e penso que não equacionou essa possibilidade.

Devia-se ter assegurado que o centro de decisão de empresas como a EDP e a REN se mantivessem em Portugal?
Não é uma questão indiferente. Sou a favor dos centros de decisão nacional, mas o que se está a verificar com as privatizações é que será difícil mantê-los no país. Por isso era necessário um pensamento estratégico que inspirasse estas operações e que as salvaguardasse nesse aspecto.

Mudando de assunto, como viu as conclusões da cimeira de Durban?
Foi um acordo de última hora para preparar a sucessão de Quioto e, como dizem os franceses, no detalhe é que está o diabo.

O arrastamento para encontrar um sucessor de Quioto não faz com que esta questão seja levada memos a sério pelos países e pelas opiniões públicas, em geral?
Sim. Estamos num momento em que as lideranças não se entendem. Durban já foi um pouco melhor do que Copenhaga, mas o Canadá já descolou e os grandes países poluidores não fazem parte. A mensagem que passa é de grande frouxidão. É inegável que o clima do planeta se está a degradar e a temperatura está a subir. A maioria dos cientistas é clara quanto ao que se está a passar com o clima. Não podemos esquecer que 1/3 da população mundial vive entre o nível do mar e os nove metros do degelo da Gronelândia e da Antártida são suficientes para fazer subir o mar em seis metros. E depois na altura, fazemos o quê? Arranjamos uma jangada para salvar as coisas?

O mérito do relatório Stern, de 2006, foi ter mudado a discussão das incertezas dos modelos climáticos para a economia e termos percebido que se não fizermos nada, perdemos 20 por cento do PIB mundial nas próximas décadas e que o investimento em medidas que o podem evitar representaria um por cento do PIB mundial.

A crise não está a ser usada como argumento para não se tomarem certas medidas ambientais, esgrimindo-se o seu custo, ou até tomar medidas contrárias?
É o que vai acontecer. Os líderes estão a falhar os objectivos e não acredito que o problema se resolverá em 2015. Acredito mais em movimentos de baixo para cima. Por exemplo, no México, a partir do momento em que as florestas tropicais foram afectadas, o governo lançou um plano nacional, a Guatemala fez o mesmo. O maior exemplo é a China. Há alguns anos, o ministro do Ambiente da China disse que a maior ameaça ao futuro do país era o ambiente. Hoje, a China é o país que mais investe em energias renováveis e que mais tem revelado capacidade de fazer crescer a sua marca em todas estas áreas.

São os países mais afectados que começam a tomar medidas, mas no geral, há uma grande ambiguidade em relação a isso.

Os objectivos do roadmap 2050 da UE são concretizáveis num tão longo prazo?

As políticas energéticas, para serem consistentes, precisam de objectivos realistas.
E sabemos há muito tempo que os objectivos da UE são irrealistas e à força de se repetirem perdem credibilidade. A energia, como outras áreas, tem a ver com a vida de todos nós. Nunca podemos ter uma política energética consistente sem modelar os sistemas energéticos, sem medir os impactos das várias escolhas, sem fazer uma análise custo-benefício e depois traçar a partir daí objectivos realistas. Se Portugal, na altura em que fez a opção pelas energias renováveis, tivesse analisado o lado do sistema, visto os impactos, feito a análise custo-benefício e comunicado aos cidadãos e discutido no Parlamento, se o tema tivesse atravessado todos os partidos e se se traduzisse numa política nacional, o país ganharia muito com isso, em vez de andarmos a destruir o que os governos anteriores fizeram.


Gás não convencional vai espalhar-se pelo mundo


Quais são para si os principais pontos críticos nos próximos anos para a indústria?
Um ponto crucial são os recursos não convencionais e o shale gás – gás natural não convencional. Não é por acaso que o shale gás apareceu nos EUA. O modelo de incentivos nos EUA, inscrito na Lei da Energia (Energy Act), favorece a inovação e o empreendedorismo. Não foram as Exxon ou as Conoco que o descobriram. Foram empresas de pequena e média dimensão. Agora, assiste-se a uma migração desta nova tecnologia do gás para o petróleo e a uma migração geográfica. A China, por exemplo, tem cerca de 12 vezes mais reservas não convencionais do que convencionais. E como têm pensamento estratégico e estão preocupados com a dependência do carvão (70% das suas centrais são a carvão, 30% a gás natural) e com a poluição brutal, se desenvolverem o gás não convencional pode ser benéfico para eles e para o mundo.

Por causa do petróleo não convencional, a produção nos EUA cresceu em 2010 e em 2011 cresceu mais ainda. É por isso que a cotação do WTI (West Texas Intermediate, um dos índices de referência mundial do crude) se desligou do
Brent e do resto do mundo. O WTI é medido em Cushion, no Oklahoma, o hub central. Agora anunciaram um oleoduto até ao Golfo, no Louisiana, e a diferença entre os dois tipos de petróleo começou a atenuar-se.

Esta tendência do shale vai espalhar-se pelo resto do mundo e vai levar a uma maior contribuição do gás para a matriz energética.
Estudos indicam que as reservas não convencionais de gás (em rochas xistosas) representem 60% a 250% das reservas convencionais. Estas estão estimadas em 180 biliões de metros cúbicos.

Isso não tem problemas ambientais?
Tem. A técnica usada para a extracção do gás é a fracturação hidráulica.
É importante que ela fique confinada à rocha para não ir para os aquíferos e os contaminar. São importantes uma regulação eficaz e multas fortes. Em 2010, a contribuição do gás natural para a matriz energética mundial foi de quase 24%. Foi o recorde da história. O petróleo está a perder quota há 11 anos consecutivos e temos o gás a ganhar terreno ano a ano.

E se a migração tecnológica para o petróleo der resultado, vai haver um ressurgimento?
Vamos ver o que acontece. Nos EUA, já tem efeito.

A OPEP parece não reagir a estas mudanças e estar a ter dificuldades com aumentos de produção
A questão da OPEP está inquinada pela luta entre a Arábia Saudita e o Irão. Quando se trata de aumentar a produção, só realmente três países têm capacidade para isso: Arábia Saudita, Koweit e Emirados Árabes Unidos. Mais nenhum tem capacidade excedentária. Quando a Arábia Saudita propõe uma subida da produção – como propôs em Junho para suprir a falta de petróleo líbio – os outros não aceitaram. Foi uma guerra sem quartel na altura. Em Dezembro, voltaram à unidade, porque já era para fixar a produção nos 30 milhões de barris diários, que estão a produzir, e preparar a organização para se defender de uma potencial baixa de preços. Isto é, se do ponto de vista geopolítico tudo serenar e a instabilidade dos países árabes for controlada, as variáveis que passarão a dominar são a recessão, se a crise da zona euro se aprofundar. Se houver uma recessão económica, se houver um arrefecimento na China, os preços podem baixar. No mercado de futuros, os segundos contratos que mais aumentaram foram as put options, com opções de venda a 65/50 dólares – já vários traders estão a proteger-se contra a possibilidade de uma descida abrupta.
Vivemos nestes dois extremos, entre as call options de 180 dólares e as put options de 50 dólares.
Pode haver um aumento exponencial ou um colapso em função da recessão. Vê-se a perturbação que há nos mercados.

Já não podemos ser tão categóricos e dizer como há um ano, que a tendência é de subida lenta e sustentada?
Não. Há um ano, a variável geopolítica estava quase congelada. Era tudo dominado pela crise financeira e pela sua resposta. Hoje é completamente diferente. Voltou a instabilidade política nos países produtores do Médio Oriente, onde estão os três países com capacidade excedentária e que temem muito que o Irão feche o estreito de Ormuz, porque ficam com a sua produção bloqueada.

Os Emirados Árabes Unidos (EAU) podem não ficar bloqueados por causa de um projecto estratégico: têm em construção um oleoduto que liga os seus campos ao golfo de Omã. Se estiver operacional no primeiro semestre deste ano, será um trunfo.

Por outro lado, se tivermos uma subida de preços, já partimos de uma base muito elevada. Veja-se que, com a recessão em 2011 em vários países, o preço do petróleo esteve quase sempre acima dos 100 dólares. Partimos de uma posição já muito difícil.

Isso beneficiaria as empresas fora do golfo. Como ficaria a Partex?
Se houver problemas no estreito de Ormuz, toda a produção de Omã, que é parte significativa das nossas receitas, não é afectada. Abu Dhabi está a desenvolver o oleoduto estratégico de Fujairah, para estar operacional em Abril/Maio. Pode eventualmente livrar a produção dos EAU de constrangimentos que possam ocorrer no Golfo. Desse ponto de vista, estamos a preparar-nos para eventualidades mais sérias.

Concorda com o discurso de incentivo à emigração de jovens?
É uma má política e uma péssima mensagem sobre o futuro do país. Não se pode gerir um país assim. Devemos atrair os jovens e sobretudo os mais talentosos. Muitos têm espírito empreendedor.
Devem ser apoiados por capital de risco, dar-lhes condições para desenvolverem as suas ideias, as suas empresas, os seus projectos. São as novas empresas que vão produzir riqueza.

A Partex podia ter um papel aí?
No âmbito da nossa actividade, captamos jovens, damos estágios e alguns ficam na empresa.
Como professor (no Instituto Superior Técnico), se me pedem conselhos não digo para não irem para fora. Há uma multinacional que todos os anos vai buscar alunos ao Técnico. Mas isso tem a ver com as oportunidades individuais das pessoas. Transformar isso numa política de um país, parece-me mal, porque a sua política deve ser o oposto. (in Publico)

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