"Há poucos meses, foi anunciado um novo acordo entre Timor Leste e a Austrália sobre os recursos petrolíferos. Neste acordo, finalmente, parece que Timor Leste consegue ver os seus direitos protegidos.
Há uns tempos, foi publicado um artigo muito interessante de Elizabeth Nyman, especialista em relações internacionais na Texas A&M University, que concluía que o início da exploração de petróleo em alto mar tinha aumentado os conflitos militares por causa das fronteiras marítimas. O artigo foi publicado na Energy Research & Social Science, mas também foi objecto de notícia no Washington Post.
Até 1947, a exploração de petróleo em alto mar não era motivo de conflito, pela simples razão de que era basicamente impossível. Havia umas explorações perto da costa, mas nada muito longe. Foi nesse anoque a Kerr-McGee Oil Industries Inc. fez um furo a 10 milhas da costa, no Golfo do México.
A partir dessa altura, a exploração do petróleo em alto mar deixou de ser uma hipótese teórica para passar a ser uma possibilidade real, pela qual vale combater, tal como Elizabeth Nyman concluiu, ao confirmar estatisticamente que os conflitos militares por causa de fronteiras marítimas aumentaram substancialmente. A necessidade de criar uma ordem jurídica que governasse os mares levou a que as Nações Unidas promovessem negociações (em que participaram 160 países) para criar regras que fossem internacionalmente aceites. As negociações foram tão difíceis que, tendo começado em Genebra em 1959, apenas terminaram em 1982 na Jamaica. O tratado internacional ali assinado ficou conhecido como o UNCLOS (United Nations Conference on the Law of the Sea). Mas, apesar de assinado em 1982, apenas em 1994 entrou em vigor, depois de 60 países o terem ratificado.
Esta convenção é bastante detalhada na definição da jurisdição e propriedade dos recursos que estão debaixo do mar. Basicamente, cada Estado tem o direito à exploração das áreas que estejam na sua Zona Económica Exclusiva (daí a importância de fingirmos que habitamos as Ilhas Selvagens, perto da Madeira). A Zona Económica Exclusiva estende-se por duzentas milhas náuticas para além da costa. Como é fácil perceber, as principais dificuldades acontecem quando dois países separados pelo mar não estão assim tão afastados.
Quando dois países estão próximos, o que está estabelecido no UNCLOS é que a fronteira marítima entre eles deve ser determinada por comum acordo. Na ausência de acordo, então prevalece o princípio da equidistância. Internacionalmente, um dos casos mais difíceis é o de Timor Leste e Austrália, que distam apenas 250 milhas. A dificuldade em definir uma fronteira marítima no Mar de Timor levou a que essa área ficasse conhecida internacionalmente como o “Timor Gap”.
Como se sabe, a ilha de Timor foi ocupada por Portugal e pela Holanda. Com a independência da Indonésia, que se seguiu à 2ª Guerra Mundial, os holandeses perderam a jurisdição sobre parte da ilha, mas Portugal manteve-a até 1975. Em 1972, a Austrália chegou a acordo com a Indonésia sobre como dividir a fronteira marítima. O acordo era altamente favorável à Austrália, que ficou com 85% do Mar de Timor para si. Mesmo para os padrões da altura, a Indonésia ficou severamente prejudicada, não sendo de pôr de parte a hipótese da corrupção como explicação para este desfecho. Portugal recusou-se a assinar um acordo, agarrando-se ao princípio da equidistância que estava a ser negociado no âmbito do UNCLOS.
Depois de a Indonésia ter anexado Timor, negociou com Austrália uma fronteira no Timor Gap. O acordo foi conseguido em 1989, no que ficou conhecido como o Tratado de Timor Gap. Na verdade, o acordo foi mais um desacordo. Mas lá concordaram em dividir o Gap em três áreas. No mapa que se pode ver em baixo, retirado de um documento do parlamento australiano, a Área C era de Timor/Indonésia, a Área B ficou para a Austrália e, no meio, na Área A, determinou-se que a exploração seria conjunta.
Mas, na verdade, se se aplicasse o princípio da equidistância, como se percebe pelo mapa, a Área A devia ser de Timor Leste.
Pouco depois deste tratado entre a Austrália e a Indonésia, Portugal fez queixa no Tribunal Internacional de Justiça. Como as Nações Unidas nunca reconheceram a anexação de Timor Leste por parte da Indonésia, poucas dúvidas havia de que, do ponto de vista jurídico, Portugal tinha razão, mas o Tribunal chutou para canto, evitando pronunciar-se sobre a anexação ilegal de Timor Leste
Com a independência definitiva de Timor Leste, um novo acordo foi assinado em 2002, desta vez entre Timor e a Austrália, já em termos mais favoráveis a Timor, ficando 90% das reservas para Timor. Diga-se, no entanto, que grande parte do mal já estava feito e que uma parcela importante das reservas já tinha sido explorada pela Austrália, sem que Timor visse um centavo que fosse (foi o caso de Laninaria-Corallina, que pode ser identificada no mapa seguinte).
Mas, na verdade, mais tarde, percebeu-se que o acordo tinha sido ainda mais desfavorável para Timor. Por exemplo, 82% das receitas de uma das principais reservas de gás, conhecida como Greater Sunrise, ficaram para a Austrália. Para se ter uma noção da importância destas reservas, estima-se que esta exploração valha mais de 40 mil milhões de euros. É fácil imaginar o impacto que tais receitas podem ter num pequenino país como Timor.
As negociações foram avançando até que, em 2006, Timor conseguiu ficar com 50% das receitas do Greater Sunrise. Em troca, comprometeu-se a, durante 50 anos, não fazer mais reivindicações sobre as fronteiras marítimas. Mais um mau acordo, se tivermos em conta que, de acordo com a lei internacional, toda a exploração deveria pertencer a Timor. Mas, em certas ocasiões, é preferível um mau acordo a nenhum acordo.
Quando se pensava que as negociações teriam chegado ao fim, explodiu uma bomba diplomática. Em 2012, uma alta patente da Austrália disse que tinha sido pessoalmente responsável por plantar uma escuta nos gabinetes dos negociadores do lado de Timor Leste, o que deu uma enorme vantagem negocial à Austrália, que assim pôde explorar as fraquezas do outro lado. Esta revelação deu a Timor a desculpa perfeita para exigir a reabertura das negociações sobre as fronteiras marítimas. Não havia forma de considerar que o acordo antes alcançado fosse moralmente legítimo.
Há poucos meses, foi anunciado um novo acordo entre Timor Leste e a Austrália. Neste acordo, finalmente, parece que Timor Leste consegue ver os seus direitos protegidos. Dependendo do percurso definido para os gasodutos, Timor Leste deverá ficar com 70 a 80% das receitas geradas pelo Greater Sunrise. Tendo em conta que uma das principais fontes de receitas do governo de Timor (o gás de Bayu Undan) se está a esgotar, este acordo não poderia vir em melhor altura.
Não se pense que as negociações chegaram ao fim. Por um lado, Timor Leste continua a negociar com a Indonésia o alargamento lateral da sua fronteira marítima. Por outro lado, mal isso seja conseguido, será necessário negociar novamente com a Austrália onde ficarão as novas fronteiras. Finalmente, ainda relativamente às reservas de gás de Greater Sunrise, enquanto o consórcio que vai explorar a área pretende usar as infraestruturas já existentes, o que implica que os gasodutos levem o gás para a Austrália, o governo de Timor quer que sejam construídos novos gasodutos, o que lhes daria mais receitas de exploração. Mas, qualquer que seja o resultado final, o acordo alcançado é uma grande vitória para Timor." (in Observador)
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