"Na Praia do Malhão e noutras praias do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, o Verão costuma trazer milhares de visitantes. Poucos sabem, porém, que esta região já era popular há cem mil anos.
A ilustração recria o habitat por onde se deslocaram elefantes que deixaram na região pegadas datadas de há 35 mil anos. Ilustração e diagrama: Anyforms. Fontes: “Vertebrate tracksites from the Mid-Late Pleistocene eolainites of Portugal: the first record of elephant tracks in Europe”, Carlos Neto de Carvalho (2009) e “Pegadas de vertebrados nos eolianites do Plistocénico Superior do Sudoeste Alentejano, Portugal” Carlos Neto de Carvalho, C. (2011).
Os visitantes de então eram mais robustos, verdadeiros pesos-pesados, mas percorreram os mesmos campos dunares (então mais extensos) que hoje delimitam as praias bravias do Alentejo.
Uma equipa de investigação do Geopark Naturtejo da Meseta Meridional tem trabalhado na região e já publicou a descrição científica de vários trilhos produzidos por animais que hoje seriam exóticos em Portugal ou que se extinguiram recentemente na região por pressão humana sobre os habitats. Os registos variam entre a datação mais antiga (cerca de 100 mil anos) e a mais recente (um pouco menos de 40 mil), testemunhando a variação dramática da distribuição de fauna e flora pela superfície da Terra.
Pegadas de elefante inseridas numa rocha que, curiosamente, tem o formato semelhante a um paquiderme.
Para o paleontólogo Carlos Neto de Carvalho, “as pegadas fossilizadas são úteis para a compreensão da ecologia e do comportamento de grandes mamíferos, que se extinguiram com as dramáticas alterações climáticas que ocorreram no último período glaciário”. Todos os achados concentram-se no campo dunar do Malhão, entre Porto Covo e Vila Nova de Milfontes, o mais extenso afloramento eolianítico contínuo em Portugal.
Na zona do Sudoeste alentejano, foram identificados três trilhos de Elephas antiquus, bem como algumas pegadas isoladas. O elefante que então vivia em Portugal (em cima) teria um volume superior às espécies contemporâneas de paquidermes, como os elefantes africanos e asiáticos (ao centro), mas não se comparava ao mamute (a figura mais corpulenta à direita). Teria presas longas e quase rectilíneas.
A equipa já identificou pegadas de elefante antigo, veado, lebre, raposa, lince-ibérico e possivelmente lobo, para além de trilhos de aves semelhantes a cegonhas ou garças. O achado de três trilhos de elefantes foi o primeiro da Europa continental e poderá representar uma das derradeiras evidências da presença de Elephas antiquus em Portugal, antes da sua extinção na Europa, com a sua passagem aqui há cerca de 35 mil anos.
Pela primeira vez no registo mundial, foram descritas pegadas fossilizadas de lebre.
A descoberta icnológica é importante para compreender as paisagens dunares do litoral alentejano, bem como a fauna existente nos últimos 100 mil anos. “Estes raros achados encontram-se, na sua maioria, em blocos que se soltaram da arriba costeira pela acção erosiva das vagas, correndo o risco de se perderem para sempre”, alerta Carlos Neto de Carvalho. O elevado custo de resgate dos blocos areníticos com pegadas e o volume que a maioria possui implicam a execução de réplicas com resinas duradouras para posterior conservação deste património geológico excepcional.
A equipa de investigadores homenageou a praia do Malhão com o nome Leporidichnites malhaoi. Na imagem, uma panorâmica actual."
(in National Geographic. Texto e Fotografias: Pedro Martins; Ilustração: Anyforms)